Falando Russo

Falando RussoQuando o trem que nos levava a São Petersburgo parou na primeira estação, logo após a fronteira com a Finlândia, avistei uma placa que me animou. Ela era simples. Uma só palavra:  ПЛАТФОРМА. O significado? Nada especial. O que me deixou feliz foi o fato de eu ser capaz de ler aquela palavra e, o que é ainda mais importante, entender o que ela dizia: PLATAFORMA. Só isso. Bastou converter o alfabeto cirílico para o latino para que as letras aparentemente indecifráveis fizessem sentido. Naquele momento tive esperanças. Será que seria assim tão fácil?

Eu fiz o dever de casa direitinho. Aprendi o alfabeto cirílico, como recomendam quase todos que vão à Rússia. Não satisfeita, comecei a fazer um curso de russo online. Não terminei nem o primeiro módulo, mas as horas que passei me familiarizando com o alfabeto e aprendendo algumas expressões básicas ajudaram a dissolver um pouco o mito de que é impossível aprender a língua russa. Há poucos sons que não exprimimos em português e é  possível traduzir muitas palavras apenas convertendo o alfabeto. Não me entendam mal, é claro que eu não aprendi russo! A gramática da língua é tão ou mais complicada que a do português e com algumas poucas aulas pela internet eu não poderia avançar muito. Mas sabe quando a gente começa a aprender uma nova língua e já fica feliz só por saber falar uma dúzia de frases inúteis?

Depois do meu primeiro contato com o russo in loco, até que eu estava animada, mas nossa primeira hora em São Petersburgo após o desembarque foi suficiente para me colocar no meu devido lugar. Ouvir a língua vinda de todos os lados foi um choque! Nosso plano era descer do trem na Finljandski vokzal e pegar um metrô para o hotel na estação que, pelo mapa, ficava ao lado. Mas quem disse que encontramos a tal estação? Nenhuma placa nos mostrava o caminho. A confusão que geralmente nos acomete ao acabar de pisar em um país diferente, as obras ensurdecedoras por toda parte e o trânsito caótico também não ajudaram. Nada de informações turísticas, ninguém com cara de bons amigos… Confesso que falhei um pouco nessa parte do planejamento, um erro quase imperdoável aos viajantes, já que a chegada a um novo lugar é sempre um momento confuso. Quebramos um pouco a cabeça e decidimos ir a pé. Apenas 2,5 km não eram assim tão assustadores. Nossas mochilas relativamente leves foram um acerto. E lá fomos nós.

O hotel que reservamos pelo Booking não tinha site na época. O endereço que constava na reserva era Nevsky Prospekt 76 App.14. De acordo com o Google Maps, era um prédio de esquina. Como o endereço era na avenida Nevsky, era normal a gente pensar que a entrada do prédio seria nessa rua, não era?

mapa

Andamos de um lado para o outro procurando o numero 76 e nada! Definitivamente ele não estava ali. Tentei pedir informações. Na esquina uma mulher anunciava pacotes turísticos., pensei que ela falaria inglês. Que nada! Ela nem entendeu minha pergunta. O pouco que eu tinha aprendido no curso naquela hora se apagou da minha cabeça, mas não desisti. Entrei numa loja de lingerie cheia de mulheres jovens e fiz outra tentativa. Ninguém lá dentro falava inglês. Já sentindo que não seria fácil, parti para a mímica. Mostrei a uma das moças o nome e o endereço do hotel no papel que estava em minhas mãos. Apesar de não conseguirmos nos comunicar de verdade, ela foi super solícita. Me levou à porta da loja e me indicou, gesticulando, que o prédio ficava à esquerda, na Liteiny Prospekt, e não na Nevsky, como eu esperava.

Enfim uma luz! Então o hotel ficava naquele gigantesco prédio de esquina, mas a entrada devia ser na lateral. Ainda sem encontrar a porta, entrei em um outro hotel. E que alegria quando perguntei se a recepcionista falava inglês e ela respondeu que sim! Era um inglês bem precário, mas foi suficiente para me explicar que o hotel que eu procurava ficava no mesmo prédio ou, como ela dizia, “in the same house”. Aliviados por saber que nosso hotel realmente existia, voltamos para a rua e continuamos procurando. Ao nos distanciarmos mais alguns metros da Nevsky Prospekt, finalmente vimos a placa: Piterskaya Club Hotel! Tínhamos passado sob ela, pois andamos pela Liteiny quando saímos da estação, mas, como esperávamos encontrar o hotel em outra rua, não percebemos que na verdade o hotel estava no nosso caminho. (Fiz uma observação sobre o endereço na minha avaliação no Booking e o endereço que consta lá agora é Liteiny Prospekt 63.)

Esse episódio, apesar de facilmente resolvido com um pouquinho de paciência, nos mostrou logo de cara que a Rússia ainda não está preparada para o turista estrangeiro. Os dias seguintes confirmaram nossa primeira impressão. São Petersburgo é considerada a cidade mais ocidentalizada do país e, quando comparada a Moscou, é tida como super amigável. Nem quero imaginar como deve ser na capital e muito menos no interior do país! Há sim placas em alfabeto latino nas ruas e no metrô de São Petersburgo. A maioria dos restaurantes disponibiliza cardápio em inglês, mesmo que resumido. A recepcionista do nosso hotel falava inglês. Mas as facilidades terminaram aí. Nos museus, nas ruas e nos restaurantes era muito difícil encontrar quem nos entendesse. Nossos principais meios de comunicação foram a mímica e a velha tática de apontar para o que queríamos.

São Petersburgo estava lotada de turistas, russos em sua maioria. O país é gigantesco, por isso é fácil entender que seus cidadãos representem um grande potencial turístico. Percebi que a estrutura é bem preparada para o público interno, mas apenas para ele. No nosso hotel, por exemplo, todos os canais internacionais eram dublados. A abertura ao turismo internacional é recente e ainda precisa evoluir bastante, mas sabe o que eu pensei no tempo todo que estava lá? Agora eu sei como deve se sentir um turista estrangeiro no Brasil!

Viajar para a Rússia foi impressionante. Na Suécia e na Finlândia as línguas também eram incompreensíveis, mas quase todos falavam inglês, então não dá para comparar. Em São Petersburgo as chances de encontrar alguém com quem conversar eram pequenas. Ao mesmo tempo que me assustava, era uma sensação libertadora.  Foi uma experiência incrível! Por isso, apesar de todas as dificuldades que a língua russa impõe, vale a pena. E olha que eu ainda nem comecei a falar sobre as belezas da cidade. Com um bom planejamento, a viagem para São Petersburgo pode ser feita sem incidentes, mesmo que você não chegue lá falando russo. Só não se esqueça de aprender o alfabeto cirílico antes! E quem sabe você seja mais animado do que eu e faça um curso completo de russo? Mesmo que pela internet. =)

Veja todos os posts sobre São Petersburgo no Viaggiando.

O post contém links para programas de afiliados. Leia a política de monetização do Viaggiando.

25 Comments

  1. Levar os mapas no celular, print da reserva do hotel com fotos, frases prontas para as coisas que eu com certeza sei que vou precisar. Isso sempre terei prontinho em mãos.

    Apesar disso, me lembro que na primeira vez que falei inglês com um estrangeiro eu travei total. Eu sabia o que precisava falar mas meu cérebro estava borbulhando com aquela “coisa nova”. Imagina russo ^^’

  2. João Alfredo Santos

    Wanessa, quais aplicativos vc baixou?

  3. João Alfredo Santos

    Em janeiro começei a estudar russo, em um curso aqui no Rio. Já tinha vontade de esutdar antes, mas com a viagem por vir decidi fazer. Só fiz o primeiro periodo e tive de parar(falta de $$). Mas foi muito proveitoso, pois hoje conheço o alfabeto todo, e mesmo lendo devagar já consigo me virar(pelo menos eu acho hahaha).
    To levando todos os endereços já em cirilico para não ter problemas. Inclusive estou imprimindo os mapas…
    Que Deus me ajude! rsrsrs

    • João, eu ainda quero aprender russo de verdade, mas, como a cultura não é muito difundida por aqui, também não é fácil encontrar professores de russo, o que deixa os cursos mais caros. Mas aprender o alfabeo já ajuda muito!

  4. Marcia Kawabe

    Camila eu fui para Estocolmo agora em janeiro e segundo meu marido, a cidade também estava “infestada’ de russos. Quando eu perguntava a ele, como ele conseguia distinguir um cara falando russo ou sueco ( pra mim é tudo e mesma coisa!!!) ele me dizia que eu tinha que ver mais filmes do James Bond :) Então fica a dica pra aprender russo: Veja mais filmes do James Bond ou vá pra Estocolmo hehehehe!

  5. Nunca parei pra prestar atenção no cirílico, mas tenho até medo! Todo mundo que viaja pra Rússia conta das dificuldades.
    Minha amiga que mora na Rússia conta que tbm há a dificuldade de como falar com os russos. Que as perguntas precisam ser diretas ou eles se irritam e aí vem a grosseria.

    • Carlinha, eu não consegui conversar muito com os russos, por motivos óbvios, mas ao me comunicar com os mais velhos eu tinha sempre a impressão de que eles estavam bravos comigo! hehe

  6. Eu também adorava ler sobre a tabela de conversão do alfabeto cirílico, aliás, ele foi inspirado no alfabeto grego. E esse episódio do hotel escondido deve ter parecido até aqueles sonhos de ansiedade, onde se procura uma coisa desesperadamente e não se encontra! Ainda bem que deu tudo certo.
    Abs!

  7. Mirellesiqueira

    sabe que eu acho a questão da lingua superficial? é, ja viajei pra tanto canto onde quase ngm falava ingles/portugues/francês e isso nunca foi um grande problema. sei que é uma questão que tira o sono de quem nunca viajou pra fora do Brasil e não fala bem o ingles, assim como era pra mim quando comecei a viajar, mas depois que a gente perde o medo percebe que com mimicas e um pouco de boa vontade é facinho se virar.

    cito como exemplo minha passagem pela Croacia. O proprietario do quarto que alugamos so falava alemão e croata. eu perguntava em ingles e ele respondia em croata, como se eu tivesse entendendo. mas ele ria, era simpatico e eu acaba na risada tb. se eu te contar que eu acabava entendendo o que ele queria dizer, vc acredita?

    tem tb uma historia engraçada da minha mae. a primeira vez que ela veio pra Europa, desembarcou em Paris e ficou 7h sentada num banco com medo de pegar um taxi pro hotel, ela tava sozinha e fala o basico do basico do ingles. quando a fome começou a apertar ela foi pra frente de um quiosque que vendia baguetes e ficou observando como as pessoas faziam os pedidos, ficou quase 1h ali ate entender o que devia fazer e comprar o pão. so depois disso teve coragem pra pegar o taxi. depois, deslanchou! ja foi pra grécia, pra turquia e mais um monte de outros paises onde a lingua é tao complicada quanto o russo e acaba sempre se virando.

    ui, escrevi demais! mas é so pra incentivar as pessoas a não deixarem de lado o sonho de uma viagem ao exterior pq nao domina o inglês ou a lingua local. juro que isso não é problema!

    bjim

    • Mirelle, eu concordo com você! Acho que com boa vontade e bom humor a gente consegue se virar em qualquer parte do mundo. Mas acho também que quanto mais desenvolvido o país, maiores as chances de que a língua nao seja um empecilho. Só que os países menos poliglotas são justamente aqueles em que a estrutura parece mais precária, incllusive para os turistas, então o medo nesse caso acaba aumentando. Mas, como eu disse no post anterior, quem se dispõe a enfrentar esses medos é recompensado com experiências maravilhosas! :-)

      Eu faço como sua mãe e fico observando as outras pessoas agirem para então fazer igual. ;-) Mas vou confessar uma coisa que quem me conhece só pelo blog talvez não saiba: eu sou super tímida! Morro de vergonha de abordar as pessoas, puxar papo, essas coisas. Só que nas viagens não tem jeito! A gente tem que deixar a timidez de lado ou passa fome, né? É um ótimo exercício!

      Beijos!

  8. Camila

    A ideia de aprender russo para visitar a Rússia é muito engraçada… :-) … nunca me passaria pela cabeça! Talvez porque ainda não pensei seriamente em fazer essa viagem…
    Na Polónia também tive algumas dificuldades em que entendessem inglês , mas umas palavrinhas em alemão do Luis resolveram alguns problemas… hehe…afinal o inglês ainda não é universal!

    Beijos

    • Margarida, ainda bem que em Portugal eu não vou ter que me preocupar com nada disso! Bom, se bem que a gente quase se desencontrou na florista, né? rsrs

      Beijos!

  9. Virginia Lucia

    Camila, que delícia os seus posts! Você é corajosa e determinada, mas vale a pena, né? E que bom que seu marido não é um chato mal humorado, porque passar por micos e situações estressantes realmente faz parte até da graça das viagens. Mas conheço pessoas para quem tudo tem que dar certo – sempre. Não é o caso do meu marido, que é um aventureiro nato. Beijos.

    • Virginia, não sei se encararia esses perrengues em qualquer lugar, mas minha vontade de conhecer São Petersburgo compensava qualquer dificuldade. Mas acho que vou esperar mais um pouquinho para voltar à Rússia. Quem sabe depois da Copa de 2018 eles já tenham se acostumado com os turistas estrangeiros. ;-)

  10. Camila, fascinante seu post! Me lembrei também dos posts da Luisa, do Arquivo de Viagens, e como se confirma a dificuldade de se viajar pela Rússia. Fico feliz que tenham gostado mesmo assim (ou por causa disso, hehe…). Há alguns anos atrás eu comprei um Teach Yourself Russian e estava gostando muito, mas eu tinha outras prioridades linguísticas na época e acabei deixando de lado. Aprender o alfabeto já deve ajudar muito, como me ajudou na Grécia. Adorando a série, um beijo!

    • Emília, eu também me lembrei do post da Luisa e do seu “Teach Yourself Russian” enquanto escrevia o post. hehe Antes de voltar à Rússia eu pretendo estudar melhor a língua. Acho que não teria coragem de me aventurar pelo interior esperando encontrar alguém que fale inglês!

      Beijos!

  11. mas aprender é só com vc.,por isso me orgulho tanto e te admiro cada dia mais

  12. Por via das dúvidas, já iniciei meu aprendizado de russo! hahaha
    Baixei uns apps pra ficar ouvindo essas frases mais comuns, mas tenho dúvidas sobre a eficácia do método.
    O alfabeto, achei difícil decorar as letras aleatoriamente. No final do ano passado, pesquisei no google e encontrei um curso para aprender o alfabeto que tinha umas 20 lições. 20 lições só pro alfabeto! Não deu muito certo… Vou ver esse que você sugeriu.

    • Wanessa, eu também estava achando difícil aprender o alfabeto apenas olhando para as letras, então imprimi a tabela e comecei o curso. A melhor forma pra mim foi ficar ouvindo e lendo com a “cola” do lado, até me acostumar. Depois pude abandonar a tabela! Mas sabe que só quando fui embora de São Petersburgo é que percebi o esforço que fazia para ler o tempo todo? Foi um alívio reencontrar nosso alfabeto! Cirílico demais também cansa! rsrs

      • Eu vou me esforçar mais quando estiver mais perto de viajar, porque, se dizer isso agora, acho que esqueço tudo daqui pra junho! Uma coisa ue me fez entender mais o alfabeto foi aquele livro que te indiquei no outro post. A autora coloca algumas palavras em russo, principalmente nomes de lugares, com a “tradução” ao lado, e eu ficava tentando decifrar. No fim do livro, já entendia quase tudo. Mas, como você disse, isso cansa um bocado!
        Os seus posts estão ótimos! E este confirmou uma impressão anterior minha: pra chegar nas cidades, vale a pena contratar um transfer. Você chegou a cogitar essa hipótese?

        • Wanessa, eu nem pensei no transfer porque chegaríamos em um horário muito bom (14h30), depois de uma viagem tranquila e a distância até o hotel era curta. Mesmo depois do perrengue, ainda não sei se teria contratado, sabe? O metrô em São Petersburgo funciona bem, tanto que usamos para ir até o terminal de ônibus na volta. Faltou foi um pouco de preparo e planejamento mesmo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.