198 Livros: Turquia – O Museu da Inocência

198 Livros - Turquia

Demorei bastante para decidir que livro iria ler da Turquia. Fui até passando outros na frente só porque não conseguia escolher. De cara eu disse que queria fugir do óbvio e por isso preferia ler algo que não fosse obra de Orhan Pamuk – o mais famoso escritor turco contemporâneo, quiçá de todos os tempos. Um dos motivos para eu querer ler algo diferente é que eu já tinha lido um livro dele, Istanbul, e não foi amor à primeira vista. A leitura não fluiu muito bem, mas acredito que o fato de eu ter lido em inglês não tenha ajudado. Eu já tinha The Museum of Innocence no kindle,  mas depois da primeira experiência com um livro dele em inglês não me animei a encarar quase 600 páginas da mesma forma.

Pensei em reler De Volta a Istambul, da escritora Elif Şafak, que eu havia lido há alguns anos, mas não sei se ele me marcou tanto a ponto de eu querer reler. Outra opção era Dear Shameless Death, da escritora Latife Tekin, mas a Lu Malheiros leu antes de mim e disse que achou a leitura meio arrastada, então desisti dele também. No fim das contas, paguei língua e acabei voltando para Pamuk, mas só porque encontrei um exemplar de O Museu da Inocência na Biblioteca Pública. Resolvi então dar uma nova chance a Pamuk, mas dessa vez em português.

O Museu da Inocência - Orhan PamukO Museu da Inocência é narrado por Kemal, um homem rico com cerca de 30 anos, parte da elite de Istambul na década de 70, que está prestes a se casar com Sibel, uma mulher da mesma faixa social dele. Sibel é uma mulher moderna, morou na França e não vê nada de errado no sexo antes do casamento, uma atitude considerada bem ocidental naquela época. Apesar de eles se considerarem muito livres e modernos por isso, é fácil perceber que as coisas ainda não são tão liberais assim e que a mulher que dorme com o namorado acaba se colocando numa posição delicada.

“Pouco a pouco, as moças mais sofisticadas das famílias ricas e ocidentalizadas que tinham passado algum tempo na Europa começavam a romper o tabu e a dormir com os namorados antes do casamento. Sibel, que ocasionalmente se gabava de ser uma dessas moças “corajosas”, dormira comigo pela primeira vez onze meses antes. Mas julgava que esse arranjo durava havia tempo demais, e que já estava na hora de nos casarmos.”

Tudo segue nos conformes até que Kemal reencontra Füsun, uma prima distante que ele não via há muitos anos, agora com 18 anos, e eles começam a ter um caso. A paixão de Kemal por Füsun é o tema principal do livro e é em torno dela que todos os fatos se desenrolam. O que eu preciso contar para que todo o resto faça sentido é que Kemal coleciona objetos de todos os tipos que remetem a Füsun. É a partir dessa coleção que a mágica acontece.

Qualquer sinopse do livro contará mais do que contei, mas prefiro não dar muitos detalhes do enredo para não estragar a leitura de ninguém. Prefiro me concentrar nos pontos que de certa forma me ajudaram a entender a Turquia que Pamuk quis retratar e eu acho que ele conseguiu fazer isso muito bem. Enquanto Kemal continua a alimentar sua obsessão por Füsun, a Turquia vive uma época turbulenta. Nas ruas há conflitos entre esquerdistas e direitistas, é instaurado toque de recolher e alguns golpes de estado acontecem.

Ao mesmo tempo em que a situação política passa por sobressaltos, a cultura também vai se transformando. Quem é que não pensa em Istambul como o encontro em Oriente e Ocidente? Em O Museu da Inocência essa situação ficou bem clara. Enquanto as pessoas mais simples ainda se apegam às tradições do passado (as mulheres cobrem os cabelos, por exemplo), os ricos se aproximam cada vez mais da cultura ocidental.

“Quando famílias ricas muçulmanas de Şişli e Nişantaşı começaram a comprar pinheiros para decorar e exibir nas janelas como os cristãos faziam nos filmes, lembro que até minha mãe ficou chocada, mas como eram pessoas que conhecia não chegou ao ponto de classificá-las de ‘degeneradas’ ou ‘ infiéis’ como a imprensa religiosa, preferindo chamá-las de ‘desmioladas’. “

Orhan Pamuk, o autor, faz umas pontas na história e eu achei o máximo, mas quando ele ganha um destaque muito maior no final do livro eu fiquei ainda mais encantada (resgatei lá do fundo da memória o que era metalinguagem). Pamuk conseguiu transformar uma ficção em história real. As páginas desse livro ganharam vida em suas mãos. Ao mesmo tempo em que escrevia o romance ele o materializou no Museu da Inocência, que fica no distrito de Çukurcuma, em Istambul. No meio do livro você encontra não só o mapa, mas também o bilhete para entrar no museu! Gente, o quão legal é isso?

Ingresso para O Museu da Inocência

Mapa do Museu da Inocência

Eu já sabia da existência do museu quando estive em Istambul, em 2013, mas pensei que não faria muito sentido conhecê-lo sem ler o livro antes. Agora que li, acho que fiz bem, pois visitar o museu depois de conhecer essa história será muito mais emocionante. Ainda bem que tenho planos de voltar a Istambul!

Minha relação com o livro O Museu da Inocência foi meio ambígua. Ao mesmo tempo em que Kemal me irritava, eu não conseguia desgrudar os olhos do livro! Será que é possível odiar o narrador/personagem principal e ainda assim amar um livro? Acho que sim! :-)

O Museu da Inocência foi publicado originalmente em turco, em 2008, e em português em 2011, pela Companhia das Letras. A tradução (do inglês para o português) é de Sergio Flaksman.

Mais alguns livros contemporâneos de escritores turcos:

  • De Volta a Istambul, Elif Şafak
  • Dear Shameless Death, Latife Tekin

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

16 Comments

  1. Lilia Pereira

    Que boas informações sobre o livro (e o museu) da inocência. Gracias aos comentadores!

    • Camila Navarro

      Depois me conte se suas impressões foram parecidas com as minhas, Lilia! Vou adorar saber!

  2. Eu fui no museu em Istambul. Eu tava lendo o livro, mas achei que eles são bem independentes e dá para curtir um sem o outro sem problemas. Era a intenção do Pamuk mesmo, e acho que funcionou bem.

  3. Muito legal o seu blog, parabéns! Fiz uma viagem à Turquia e procurei ler alguns livros para saber mais. Um livro que achei muito interessante foi “A Fez of the Heart”. Fez é um tipo de chapéu, que era tradicional mas foi proibido no início do século 20. O autor faz várias viagens pela Turquia em busca do chapéu e registra várias outras impressões sobre o país, de um jeito bem humorado e interessante. O link para o livro na Amazon é http://www.amazon.com/Fez-Heart-Travels-around-Turkey/dp/0156003937/.

  4. Lucimara Busch

    Camila, eu li “As preces são Imutáveis”. Livro simples, e também descreveu vários lugares da Turquia. Enfim valeu! Eu não achei O Museu da Inocência por aqui. Um dia leio!

    • Eu só li O Museu da Inocência porque achei na biblioteca. Novo era caro e acho que não tinha nenhum na Estante Virtual. E o digital também era caro. Assim fica difícil fazer sucesso aqui. rsrs

      • Lucimara Busch

        Ainda quero ler. Mas tá no fim da fila! Acho tão absurdo livro digital caro. Queria ler o outro da Harper Lee, em inglês, mas Deus nos acuda! Preço horroroso!

  5. Ricardo Ribeiro

    Li este livro entre muitos outros quando preparava a minha viagem de um mês pela Turquia. Foi estranho. Quando acabei pensei que tinha detestado o livro, mas quanto mais tempo passava, melhor o sabor que ficava nas memórias. Parece que afinal adorei, mas só descobri depois. Li uma tradução para inglês, o que pode fazer toda a diferença. Na realidade uma tradução que parece excelente.

    • Ricardo, comigo foi assim também. Enquanto eu lia, Kemal me irritava e por isso eu não conseguia definir bem o que achava do livro. Depois de um tempo é que decidi que sim, tinha gostado. =)

      • Ricardo Ribeiro

        Uma coisa que me impressionou muitíssimo é que o autor escreve como se fosse uma memória pessoal… quer dizer, acho incrível que alguém possa descrever uma paixão obsessiva assim se ele próprio não a tiver vivido. Visitaste o museu em Istanbul? Eu achei caro, não fui. Talvez este ano, quem sabe…. eu acho que não se deve não gostar de Kemal. Afinal de contas, o problema dele é ser honesto na narrativa. Por assim dizer, ele confessa toda a “sacanagem” ao leitor, mas no fundo todos nós já fizemos “sacanagem” na nossa vida, só que na maior parte dos casos guardamos para nós. Kemal é apenas uma pessoa comum.

        • A obsessão de Kemal e a incapacidade dele de ver o mundo além de Füsun me incomodava, sabe? Mas acho que ele me irritou tanto justamente por ser tão real.

          Eu não visitei o museu. Na época em que fui a Istambul eu ainda não tinha lido o livro e queria ler antes de conhecê-lo. Uma boa ideia seria levar o livro, que vale como ingresso, mas a verdade é que ele também é caro…

  6. Lu Malheiros

    Camila, pra variar, fiquei com vontade de ler o livro! Como você sabe, eu também não tive sorte com as minhas leituras do Pamuk até hoje!

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