A Censura na Literatura e os 198 Livros

Blog Action Day 2015 - Censura na LiteraturaSvetlana Alexievich, a escritora belarrussa que ganhou o último Nobel de Literatura, não escreve sobre temas fáceis. Sua obra é documental: ela registra testemunhos de vítimas da antiga União Soviética. Seus livros tratam da participação das mulheres na Segunda Guerra, das consequências do desastre de Chernobyl e da invasão soviética no Afeganistão. Abordando temas tão polêmicos e não poupando críticas ao presidente russo Vladimir Putin e ao presidente belarrusso Alexander Lukashenko (que acabou de ser reeleito para permanecer no cargo que ocupa desde 1994), é claro que ela não tem muitos simpatizantes nos governos da região. Em Belarus seus livros não são publicados. Ela já foi proibida de fazer aparições públicas e se viu obrigada a passar 10 anos no exílio, entre 2000 e 2010.

Svetlana não é a primeira ou a última escritora a desafiar a censura e sofrer retaliações, pelo contrário. No mundo todo jornalistas, escritores, blogueiros, ativistas e artistas são perseguidos e impedidos de exercer a liberdade de expressão todos os dias. Nessa semana mesmo um cineasta iraniano foi condenando a 6 anos de prisão e 223 chibatadas por “insultar santidades no Irã”. Nem parece que estamos vivendo o ano de 2015!

Eu adoro o Blog Action Day, acho que é uma excelente oportunidade para blogueiros do mundo todo debaterem assuntos relevantes e por isso participo desde 2011 (os links para os posts anteriores estão no rodapé). Dessa vez achei que teria que ficar de fora. O tema do desse ano é Raise Your Voice, uma mobilização para apoiar as pessoas que têm sua liberdade de expressão ameaçada.

O que eu poderia falar sobre o assunto? Eu escrevo sobre viagens, não falo de assuntos polêmicos, não ataco ninguém e nunca sofri censura ou ameaças. Mas aí li um texto no site do Blog Action Day e vi que eu poderia deixar minha contribuição. Transcrevo-o aqui em tradução livre:

“Nós temos o poder de criar o mundo que queremos ver quando levantamos a nossa voz para promover mudanças positivas e expor ações injustas. No entanto, os que levantam a voz sofrem constantes ataques. Neste Blog Action Day vamos celebrar os heróis que se pronunciam frente a censura, ameaças e até mesmo violência. Vamos levantar nossas vozes para defender o direito de eles levantarem a deles. Vamos vencer o silêncio com nossas palavras e ações. Vamos divulgar suas histórias. Vamos lutar por aqueles cujas vozes foram silenciadas.”

Divulgar suas histórias! Não é isso que eu faço com o Projeto 198 Livros? Quantas histórias e autores silenciados eu estou descobrindo e compartilhando no blog! Quantos autores censurados em seus países de origem já apareceram por aqui! Confesso que só de ouvir falar que um livro foi banido em algum país eu já tenho vontade de lê-lo. Então decidi falar sobre a censura na literatura e fazer uma homenagem a esses escritores que li recentemente e que têm sua liberdade de expressão ameaçada.

Venda de livros em Tbilisi

Ainda estou na metade da minha volta ao mundo em livros e até o final do projeto com certeza a lista será bem maior. Além disso, provavelmente a lista não está completa, pois eu posso ter deixado passar um livro ou outro, mas a intenção aqui não é fazer um inventário. Ainda não publiquei os posts sobre todos os livros, mas para os quais já há post o link estará no nome do país. Vamos a eles!

Hamid Ismailov, do Uzbequistão

A organização Human Rights Watch descreve a situação dos direitos humanos no Uzbequistão como atroz. Torturas, prisões políticas, censura e limitações religiosas parecem ser comuns. Num contexto assim, não é de se estranhar que Hamid Ismailov tenha sido perseguido. Seus textos não agradaram o governo e para evitar ser preso ele teve que abandonar seu país, em 1992. Não só seus livros, mas também a menção ao seu nome é proibida no Uzbequistão, para onde ele nunca mais voltou. Em uma entrevista ao site Eletric Lit ele descreveu bem o motivo pelo qual os ditadores têm medo dos escritores: “You reconstruct and deconstruct reality, by breaking myths, lies, clichés, and propaganda. That’s why dictators are afraid of writers.”

Ak Welsapar, do Turcomenistão

Assim como o vizinho Uzbequistão, o Turcomenistão também não tem um bom histórico de direitos humanos e é um país muito repressor. Em 1993 Ak Welsapar foi considerado um “inimigo do povo” após publicar artigos que denunciavam desastres ecológicos no país. Seus livros foram retirados das prateleiras e queimados e a menção ao seu nome também foi proibida. Desde então ele vive na Suécia.

Duong Thu Huong, do Vietnã

Duong Thu Huong foi expulsa do Partido Comunista do Vietnã, foi presa e proibida de viajar ao exterior na década de 90. Seus livros já eram famosos quando foram proibidos e depois disso ela teve que enviar suas obras para outros países para serem publicadas. Não consegui informações atualizadas sobre a situação dela no Vietnã hoje, mas me parece que os livros ainda são proibidos.

Gurgen Mahari, da Armênia

Gurgen Mahari, nasceu em Van, que hoje se encontra em território turco, em 1903, e saiu de lá quando a cidade foi evacuada, em 1915. Seu livro Burning Orchards foi publicado em 1966 na Armênia, mas foi proibido e queimado nas ruas de Yerevan. Mahari foi acusado de contar uma versão dos fatos que favorecia os turcos e compelido a retirar algumas passagens do livro que os acusadores julgaram ofensivas. Ele morreu pouco depois, em 1969. Felizmente hoje a versão completa do livro está disponível para tiramos nossas próprias conclusões sobre a versão dele dos fatos envolvendo o Genocídio Armênio.

Pedro Juan Gutierrez, de Cuba

Pedro Juan Gutierrez vive em Havana e é um dos escritores cubanos mais conhecidos mundo afora, mas até pouco tempo seus livros só circulavam em Cuba em exemplares piratas. As mudanças realmente estão acontecendo na ilha e nos últimos anos os livros de Pedro Juan Gutierrez começaram a ser publicados por lá. As tiragens ainda são pequenas, mas não se pode negar que já é um avanço.

Wajdi al-Ahdal, do Iêmen

Wajdi al-Ahdal já teve que se exilar no Líbano por um tempo porque um de seus livros foi alvo de campanhas extremistas e ele foi ameaçado. O escritor alemão Günter Grass visitou o Iêmen em 2002 e em um encontro com o presidente pediu que ele ajudasse o escritor iemenita, assim ele pôde voltar ao país. Uma de suas obras foi dedicada a Günter Grass. (Fonte: World Without Borders). Alguns de seus livros até hoje são proibidos no país.

Victor Martinovich, de Belarus

Não só a ganhadora do Prêmio Nobel foi censurada em Belarus, o escritor Victor Martinovich também. Seu livro Paranoia foi retirado das prateleiras dois dias após a publicação. Esse foi um dos motivos que me fizeram escolher o livro. Se tem uma coisa que a censura faz bem é tornar um livro famoso do dia para a noite! Victor Martinovich hoje vive em Vilnius, na Lituânia.

Kang Chol-Hwan, da Coreia do Norte

Acho que esse caso dispensa qualquer explicação. É claro que The Aquariums of Pyongyang, um livro que denuncia a existência de campos de concentração na Coreia do Norte, seria proibido no país. Desde que fugiu de lá, Kang Chol-Hwan vive na Coreia do Sul.

Marjane Satrapi, do Irã

Mais um que dispensa explicações. É só ler o livro para entender porque a autobiografia em quadrinhos de Marjane Satrapi, Persépolis, é proibida no Irã. Lembra a prisão e as chibatadas que eu citei lá em cima? Pois é, estamos falando do mesmo país…

Nu Nu Yi, de Mianmar

Quando Nu Nu Yi publicou Smile as they Bow, ela não agradou aos censores de Mianmar. Eles alegaram que o livro era uma ofensa aos valores culturais do país. As cenas íntimas entre os dois personagens homossexuais do livro foram cortadas, assim como as passagens que falavam da força dos nats, espíritos adorados em Mianmar. (Fonte: Blog Censorship in Literature) A censura durou mais de 12 anos. Engraçado que Nu Nu Yi acabou sendo uma das escritoras birmanesas mais conhecidas internacionalmente e Smile as they Bow talvez seja o único romance de lá traduzido para o inglês até agora.

Jung Chang, da China

Cisnes Selvagens é um best-seller da escritora Jung Chang: foi traduzido para 30 línguas e já vendeu mais de 10 milhões de cópias, mas na China ele é proibido. Isso porque o livro conta uma versão da Revolução Cultural Chinesa diferente da oficial. Jung Chang vive em Londres, mas visita seu país frequentemente. É claro que, apesar da proibição, Cisnes Selvagens circula na China em versões piratas.

Mansour Bushnaf, da Líbia

Eu já li Chewing Gum, o livro de Mansour Bushnaf, mas senti que não consegui entender a mensagem que ele quis passar. Pelos comentários apaixonados que li sobre ele, percebi que muitos detalhes só seriam percebidos por quem conhece a Líbia bem, daí minha ignorância. Deve ser isso mesmo, senão o regime de Muammar Gaddafi não teria proibido a circulação do livo na Líbia quando ele foi publicado no Egito, em 2008. Antes disso, na década de 70, Mansour Bushnaf passou mais de 10 anos na prisão por causa de uma peça que escreveu intitulada Quando os Ratos Governam. (Fonte: BBC News).


Esse post faz parte do Blog Action Day 2015, uma postagem coletiva anual que reúne blogueiros do mundo todo para falar sobre o mesmo tema no mesmo dia. Em 2015 o assunto em pauta é Raise Your Voice, uma homenagem a quem luta pela liberdade de expressão. Eu escolhi falar sobre a Censura na Literatura. Entre no site e veja a relação completa dos blogs participantes.

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4 Comments

  1. Cristiane Xerez

    Texto maravilhoso! Infelizmente, ainda tão atual.

  2. Lu Malheiros

    Camila, lindo post! Ficou ótimo! :-)

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