Armênia, passado e presente

Se você for como eu até pouco tempo, não sabe quase nada sobre a Armênia. Não sabe onde fica, não conhece sua história e não faz ideia de que ela é mais conhecida por ter sido o primeiro país a adotar o cristianismo como religião oficial. Não deve saber também que há muitos descendentes de armênios no Brasil, como os atores Stepan Nercessian e Aracy Balabanian. Quer uma dica? Fique de olho no sobrenome: se terminar com ian, há grandes chances de ser um sobrenome armênio. A personalidade de origem armênia mais famosa no mundo hoje deve ser Kim Kardashian, mas Cher, nascida Cherilyn Sarkisian, também entra nessa lista. Há ainda os integrantes da banda System of a Down, todos de origem armênia.

Cascata em Yerevan, Armênia

Na Armênia hoje vivem cerca de 3 milhões de habitantes, mas estima-se que há 8 milhões de armênios espalhados pelo mundo. O país fica no Cáucaso, entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, uma região que a gente chama de fronteira da Europa com a Ásia (e também da Europa com o Oriente Médio). Com uma localização tão privilegiada, não é de se estranhar que ao longo dos séculos ela tenha sido invadida por diferentes povos. Pela Armênia passaram os romanos, os persas, os mongóis, os otomanos e mais recentemente os russos, dentre outros povos dominadores. Mas foi no início do século passado, há quase 101 anos, que a diáspora armênia ganhou mais força. Foi quando ocorreu o Genocídio Armênio.

Templo de Garni, Armênia

Eu falei sobre o Genocídio Armênio no post sobre Burning Orchards, o livro que representou a Armênia no Projeto 198 Livros. Vou replicar aqui parte do texto que escrevi na época. Entre aspas, eu mesma:

“Dizem que durante um discurso aos comandantes do Exército Alemão dias antes de invadir a Polônia, Hitler teria dito o seguinte: “Afinal, quem fala hoje do extermínio dos armênios?” Verdade ou não, e apesar de o holocausto judeu não ter passado despercebido como ele esperava, a frase continua fazendo sentido. No dia 24 de abril de 2014 o início de um dos maiores genocídios do século passado completou 99 anos. E talvez você nunca tenha ouvido falar sobre ele. Isso porque o Genocídio Armênio é um tema praticamente ignorado pelos livros de História. E não só ignorado, mas também negado. A maioria dos países ainda hoje não reconhece o massacre de 1,5 milhão de armênios no que se acredita que tenha sido uma tentativa de exterminação do povo armênio pelos turcos.

A Turquia nega que o genocídio existiu, diz que os números são exagerados e que a morte dos armênios aconteceu em consequência da Primeira Guerra Mundial. Cerca de 20 países, como França, Chile, Uruguai e Suécia, além de diversas organizações internacionais, reconhecem o genocídio. O Brasil não. Nem os Estados Unidos. E os descendentes da diáspora armênia espalhados pelo mundo continuam lutando até hoje pelo reconhecimento do crime praticado contra seu povo.

Goris, Armênia

Os ataques já haviam começado antes. No final do século XIX, milhares de armênios foram assassinados por ordem do sultão Abdul-Hamid II, acusando-os de colaboração com os russos. A situação da Armênia não era fácil, já que ela estava espremida entre dois gigantes: os Impérios Otomano e Russo. Mas foi em 24 de abril de 1915, durante o governo do partido dos Jovens Turcos, que o maior massacre começou. Nessa data, cerca de 600 líderes armênios foram presos em Istambul e em seguida assassinados. A partir daí a perseguição ficou mais evidente. Vilarejos foram dizimados, pessoas foram torturadas, outras vendidas como escravas. Mas a maior taxa de mortalidade aconteceu durante as deportações. Os armênios foram obrigados a abandonar suas cidades, com a desculpa do avanço das tropas inimigas, e muitos morreram durante a marcha, seja de fome, sede ou pelas violências a que eram submetidos.”

Em 24 de abril de 2015, o marco do Genocídio Armênio completou 100 anos. Estive na Armênia no início daquele mês. O país se preparava para homenagear os antepassados mortos no genocídio e para pedir mais uma vez seu reconhecimento. O Museu do Genocídio de Yerevan estava prestes a reabrir as portas após uma grande reforma. A flor miosótis, ou não-me-esqueças, estava estampada por todo o país. Ela foi escolhida como o símbolo do centenário do Genocídio Armênio e representava o pedido para que o episódio não fosse esquecido e a demanda para que fosse reconhecido. O mundo voltou os olhos para Armênia e pode ser que nessa época muita gente tenha ouvido falar sobre o genocídio pela primeira vez.

Não-me esqueças, o símbolo do Genocídio Armênio

Pouco tempo após o final da Primeira Guerra Mundial, a Armênia foi incorporada à União Soviética, junto com seus vizinhos, Geórgia e Azerbaijão. Os russos foram vistos como os salvadores da Armênia, uma potência capaz de defendê-la dos turcos. É claro que nem tudo foi um mar de rosas nas décadas seguintes. Houve perseguição às igrejas, conflitos étnicos, disputas territoriais e, como ocorreu em muitos países da URSS, muita degradação ambiental. Em 1991, ano do colapso da União Soviética, a Armênia declarou sua independência.

Após séculos de dominação, a Armênia estava livre, mas o renascimento não foi fácil. De um lado havia a disputa de Nagorno-Karabak com o Azerbaijão, do outro as feridas abertas com a Turquia por causa do genocídio (as fronteiras da Armênia permanecem fechadas a esses dois países até hoje). Sem dúvidas o século XX não foi nada gentil com a Armênia.

Apesar dos conflitos, nos últimos anos as coisas melhoraram. A Armênia ainda é considerada uma economia fraca, mas que avançou muito no início desse século. Resta muito a ser feito e eu, como turista, percebi que é preciso investir em infraestrutura, por exemplo. O transporte entre as cidades é precário, mas a capital – Yerevan – é uma cidade moderna, segura e agradável.

Curiosidades sobre a Armênia

  • A Armênia foi a primeira nação do mundo a adotar o cristianismo como religião oficial, em 301. Mais de 90% da população segue a Igreja Apostólica Armênia. A igreja armênia é ortodoxa e autônoma, ou seja, ela não é ligada à Igreja Católica Romana ou às demais igrejas ortodoxas.

Missa em Geghard, Armênia

  • O Monte Ararat é o símbolo nacional da Armênia, mas desde a Guerra Turco Armênia de 1920 ele faz parte do território turco. É possível avistar o Monte Ararat de diversos pontos do país. De acordo com a Bíblia, foi no Monte Ararat que a Arca de Noé encalhou: “E a arca repousou no sétimo mês, no dia dezessete do mês, sobre os montes de Ararat.” (Gênesis, capitulo VIII)

Monte Ararat, do outro lado da fronteira

  • A Armênia tem sua língua própria, o armênio, que por sua vez tem seu alfabeto próprio, com 38 letras. Como herança do domínio soviético e da proximidade com a Rússia, muitos armênios falam russo.
  • A Armênia recebe poucos turistas (pouco mais de 1 milhão por ano), mas esse número vem aumentando a cada ano. Se quiser conhecer um país que ainda não foi invadido pelo turismo em massa, a hora é agora!
  • De acordo com o Instituto Viaggiando de Viagens e Pesquisas, os armênios são um dos povos mais simpáticos e hospitaleiros do mundo, disputando o segundo lugar com a Albânia (o primeiro lugar é do Camboja).

Lago Sevan, Armênia

Agora chega de teoria! Eu já contei como foi que surgiu a ideia da minha viagem à Geórgia e Armênia, já deixei as dicas práticas para quem viajar para essa região e hoje já contei o que eu sabia sobre o passado e o presente da Armênia. Agora chegou a hora de conhecermos o país de verdade! Nos próximos posts eu começo a mostrar o que vi na Armênia. Já aviso que vocês irão até enjoar de ver mosteiros e igrejas! Mas estamos falando do primeiro país cristão do mundo, oras! :-)

Fontes das informações: The World Bank, Wikipédia e Guia Lonely Planet.

Veja todos os posts sobre a Armênia no Viaggiando!

10 Comments

  1. Nilza Peruzzi

    Assisti o filme é fiquei curiosa para saber mais sobre esse povo.
    Tenho 61 anos e até então não tinha conhecimento sedes fatos tão hororizantes. Quero me solidarizar com esse povo sofrido mas também Muito corajoso.

  2. Lamentável tudo o que essas crianças, mulheres e homens foram exposto, absurdo , estrupos, queima de pessoas inocentes, crianças jogada ao mar.
    Hoje tenho vergonha desse povo turco, Porã tnta crueldade que causaram .

  3. Cleonice Hahn

    Olá!
    Muito interessante a história desse povo. Li todo post…curioso e prazeroso!
    Como outro leitor tbm fui buscar informações por conta do filme.
    Não sou de amar viajar, mas deu vontade de conhecer a Armênia.
    Parabéns!😘

    • Elizabeth Santana

      Boa tarde..
      Eu sou a Elizabeth e tb vim buscar informações sobre esse país por causa do filme “a promessa ‘ …anei o filme …e como não podia deixar de acontecer..
      Chorei mto…e lamento por tanto sofrimento …como tantos outros que ainda acontecem na atualidade.. ..nenhum ser vivo merece passar por tanto sofrimento…

  4. Parabéns pelo seu post, li curiosamente
    Por conta do Filme do Netflix “A Proposta”!
    Li então sobre esse povo incrível Que
    defendeu seu país com honra
    e coragem! Minha admiração
    e respeito à Armênia!

  5. Américo Brasil Martins

    Sou descendente de armênio (avô paterno) Quando o velho faleceu a família queimou todos os livros e mais inúmeros manuscritos dele, em seu idioma (imagine que raridade teria sido destruída). Por dedução, considerando idades, do meu pai e a minha, o Sr. Gaspar Salomon chegou aqui lá por 1900. Ainda procuro entre os parentes mais antigos, já poucos, algum documento de importância e, caso positivo, voltarei. (Martins foi adotado por êle)

    • Camila Navarro

      Que pena, Américo! Espero que você tenha sorte em sua busca!

      • Maria José Alves

        Assisti o filme e me despertou a curiosidade em saber mais. Gostei muito. Talvez um dia eu possa conhecer Armênia ao vivo e a cores.

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