198 Livros: Lituânia – Vilnius Poker

198 Livros Ler um livro lituano teve um sabor especial. Quem acompanha o blog há mais tempo já sabe que eu tenho um carinho enorme pelos Países Bálticos. Assim como diversos países europeus, eles têm um passado recente marcado pela guerra e pela dominação, mas conseguiram dar a volta por cima (se quiser entender um pouco do que aconteceu por lá nos últimos séculos, dá uma olhadinha nesse post). Encontrei nessa região cidades lindas e um povo extremamente gentil. Por isso, na hora de escolher um livro da Lituânia, eu queria algo que me ajudasse a entender o que o povo viveu durante a ocupação soviética e a força que o ajudou a se reerguer. Nada melhor então do que ler um livro escrito nesse período e foi assim que escolhi Vilnius Poker, de Ričardas Gavelis.

Não é fácil definir Vilnius Poker. O livro é denso, forte, cheio de referências históricas e políticas. É pesado, assim como o ambiente que retrata. O personagem principal, Vytautas Vargalys, é um sobrevivente de um gulag, um campo de Vilnius Poker, de Ričardas Gavelistrabalho forçado russo. As torturas a que foi submetido durante nove anos deixaram marcas físicas e psicológicas permanentes. Sua narração é confusa, assim como seus pensamentos. É difícil distinguir o que é imaginação e o que é realidade. A relação entre russos, poloneses, lituanos e judeus é um tema recorrente. Liberdade e prisão, igreja e televisão, língua e literatura… Vargalys sente a presença Deles em tudo que o cerca. Ele acredita na existência de uma espécie de sistema ou associação (Eles) que desumaniza as pessoas, sugando alma e inteligência, mas mantendo-as aparentemente saudáveis por fora. Descobrir o que de fato acontece em Vilnius se transforma em uma obsessão para Vargalys. Como ele diz, o que mais explicaria o fato de que em diferentes épocas e lugares um idiota tenha governado milhares de pessoas inteligentes e elas tenham obedecido em silêncio? Quem seria capaz de colocar Stalins, Hitlers e Pol Pots no poder? Como a humanidade é capaz de esquecer sua história e repetir os erros do passado? Vytautas Vargalys parece louco, mais muitas coisas que ele diz fazem sentido.

Na segunda metade do livro temos a chance de esclarecer alguns fatos através da chegada de três novos narradores: Martynas e Stefanija, colegas de trabalho de Vargalys, e um cachorro de rua de Vilnius. Só que, em vez de recebermos respostas, ficamos ainda mais confusos! Eles não só contradizem as versões iniciais da história, como também divergem entre si. Será que Vargalys, Martynas, Stefanija e “o cachorro” mentem para nós ou vivem mesmo no mundo que relatam? Qual deles consegue enxergar a realidade?

Vilnius Poker representou um renascimento da literatura lituana após um período em que a maioria de seus escritores encontrava-se exilada ou censurada. O sopro literário surge junto com os ideais de independência. O livro com certeza exige certo esforço do leitor e, para mim, com o agravante de serem quase 500 páginas em inglês. Não é um romance leve com final feliz e com certeza eu não indicaria para qualquer um. Foi uma leitura intensa. Fiz dezenas de marcações e precisei voltar as páginas algumas vezes para entender certas passagens. Sabe quando você termina um livro e não sabe se dizer se gostou ou não? Precisei de um tempo para digerir o que acabara de ler. Meu veredicto? Gostei!

A parte leve dessa leitura foi “rever” Vilnius. A cidade tem um papel de destaque na narração. Passei de novo pela Pilies gatvė, subi o Morro Gediminas e entrei novamente no prédio da KGB, mesmo que essa parte não tenha sido assim tão leve. Eu tinha voltado de lá com vontade de conhecer mais sobre a região e o Projeto #198Livros me deu essa chance. Já estou ansiosa para sortear Estônia e Letônia também!

Pilies gatvė

Vilnius Poker foi publicado originalmente em lituano, em 1989, e em inglês em 2009, pela Open Letter Books. A tradução é de Elizabeth Novickas.

Mais alguns livros de autores lituanos:

  • White Field, Black Sheep – Daiva Markelis
  • Those Whom I Would Like to Meet Again – Giedra Radvilaviciute
  • No Men, No Cry – Diversos

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

8 Comments

  1. O que mais “assusta” na verdade é que não existem livros traduzidos para o português. Eu até leio em inglês, mas só se for um livro bem fácil..rsrsrsr
    Por isso que na minha volta ao mundo inclui na lista autores que já havia lido e tento achar os autores pela FNAC.pt, mas não dá… se você que lê em mais de uma lingua é dificil de achar um livro de muitos paises, imagine para quem só lê em português e está “a mercê” do mercado editorial brasileiro….

    • Anna, eu também não sou fluente, mas há uns anos comecei a ler livros em inglês, até como uma forma de aprendizado. No começo era muito difícil e eu recorria ao dicionário o tempo todo, mas com o tempo foi ficando mais fácil. Sempre será muito mais tranquilo ler em português, mas já não sinto medo, sabe? O kindle me ajuda muito nesse ponto também, já que o dicionário é embutido, mas cada livro traz um novo vocabulário e é um aprendizado constante. Por experiência própria, eu sugiro que você tente. Comece com os menores. No início vai ser bem cansativo, mas você vai ver que a progressão é rápida!

      • obrigada! Ja baixei o programa do kindle no meu tablet e vou tentar, principalmente pros países mais distantes… gosto bastante de acompanhar as suas resenhas, parabéns novamente pelo projeto!

  2. Parabéns pela resenha! Assim como na vida, na literatura também acho importante sairmos da nossa zona de conforto, como você fez escolhendo um autor tão denso!

    Também quero parabenizá-la pelo projeto. Descobri o seu blog há pouco tempo, mas estou completamente encantada por essa idéia mirabolante. Estou considerando seriamente a possibilidade de pegar uma carona no projeto…. mas falta um pouquinho de coragem, hehehhehe.

    Abraços,

    Bruna

    • Oi, Bruna! Muita gente disse que gostaria de fazer parte do projeto, mas que não tem muito tempo para ler. Falar em ler 198 livros realmente assusta, mas eu mesma não tenho data para acabar! Se achar mais fácil, comece com um projeto menor. Um continente, por exemplo? Acho que um projeto de leitura é uma ótima resolução de ano novo. ;-)

      • Lucimara Busch

        Oi Camila! Acabei de ver a sua sugestão e aproveito para contar que eu comecei com um projeto bem pequeno há alguns meses. Peguei somente a América do Sul. Pesquisei um autor de cada país e estou lendo conforme vou tendo tempo!! O meu primeiro é da Bolívia. Escolhi a Améria do Sul nesse primeiro momento, porque estou estudando espanhol, e a leitura irá me ajudar muito! Depois, vou mudando o projeto, enfim, livros nunca faltam né? Um grande abraço!

        • Que legal, Lucimara! A América do Sul já rende uma viagem literária e tanto! Depois quero saber quais livros você leu e sua opinião sobre eles. Por enquanto só li Argentina no projeto. Beijos!

          • Lucimara Busch

            Oi Camila! Vou adorar compartilhar! Infelizmente não tenho muito tempo pra leitura, mas à medida que for concluindo, te passo! Beijo!

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