198 Livros: Itália – Gomorra

198 Livros: Itália Nojo! Foi isso o que senti já nas primeiras páginas de Gomorra, o livro escolhido para representar a Itália no #198livros. É claro que não dá para dizer que qualquer livro represente realmente um país, já que o que temos é a visão de um autor sobre algum tema, mas no caso do 35º livro do projeto essa associação é ainda mais complicada. Assumir que Gomorra seja um retrato da Itália seria uma afronta aos italianos que não tem nada a ver com a sujeira descrita no livro. Nele o autor, Roberto Saviano, escancara detalhes da máfia napolitana da Camorra ao longo de mais de 300 páginas. Desde então ele vive sob proteção policial, sabendo que mais cedo ou mais tarde irá pagar sua ousadia com a própria vida. Gomorra - Roberto Saviano

Gomorra mostra que a máfia italiana está presente onde menos se espera. Seu alcance vai muito além das fronteiras do país e envolve um mercado bem mais amplo do que o da droga. É meio difícil não se sentir parte desse cadeia ao descobrir que os negócios da Camorra englobam marcas famosas e produtos importados e piratas que circulam pelo mundo todo. A máfia que Roberto Saviano descreve é um comércio altamente lucrativo que não vê barreiras. Ele derruba qualquer coisa ou pessoa que apareça em seu caminho. Os líderes desse fenômeno podem até cair, mas sempre aparecerá alguém para ocupar o lugar, tornando esse negócio algo aparentemente indestrutível.

O que mais me impressionou foi ver o impacto que um sistema como esse pode causar na vida das pessoas comuns, das que se veem obrigadas a fazer parte dele ou das que se tornam suas vítimas casuais. Um trecho do livro ilustra melhor o que quero dizer:

“Eu não conseguia ver naqueles rostos, naquelas palavras de raiva […] uma solidariedade criminosa. O mercado da droga é fonte de sustento, um sustento mínimo que para a maior parte de Secondigliano não tem qualquer valor de enriquecimento. Os empresários dos clãs são os únicos a ter um lucro exponencial. Todos que trabalham nas atividades acessórias do tráfico […] não recebem mais do que salários ordinários em troca do risco de meses ou anos na prisão. Aqueles rostos tinham um quê de raiva. Uma raiva que nasce no estômago. Uma raiva que vem tanto como defesa do próprio território, como de acusação contra quem considerou aquele lugar perdido, inexistente, um lugar a ser esquecido.”

A história vendida  e que consta inclusive na capa brasileira (Gomorra: A História Real de um Jornalista Infiltrado na Violenta Máfia Napolitana) é a de um jornalista infiltrado na máfia italiana que denuncia o que descobriu, mas não fica claro o papel desempenhado por Roberto Saviano no contexto por ele narrado. Na verdade, parece que a maioria dos fatos não foram testemunhados por ele. Além disso, em certa altura o livro vira um emaranhado de nomes e datas, muitas vezes repetitivos, que deixam a história confusa e cansativa. Nesse ponto fica mais nítido que não estamos lendo um romance, mas uma compilação de dados, uma espécie de documentário. Ainda assim é um livro muito interessante. E triste. Muito triste. Confesso que a leitura me deixou esgotada, com ainda menos fé no futuro do mundo. Parece impossível que consigamos sair de tamanha podridão. Mas sair da ignorância talvez seja um primeiro passo para essa saída, né?

Gomorra foi publicado originalmente em italiano, em 2006, e no Brasil em 2009, pela Editora Bertrand Brasil. A tradução é de Elaine Niccolai.

Mais alguns livros de autores italianos:

  • Oceano Mar, Alessandro Baricco
  • Romanzo Criminale, Giancarlo Cataldo

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

21 Comments

  1. Finalmente embarquei nos 198 livros e escolhi a Italia pra começar a viagem! Esse livro jà estava na minha estante hà tempos, pois foi publicado na mesma època em que me mudei pra cà, entao pude acompanhar as polemicas pela televisao. Como na època o meu nivel de italiano nao era grandes coisas, o livro acabou esquecido.
    Agora tenho um bom motivo para desenterra-lo. ;)

    • Luisa, esse livro me fez perder a fé na humanidade, viu? É tanta sujeira! Mas vou esperar você ler pra gente conversar melhor. ;-)

      • Um livro interessante, mas muuuuito arrastado… Talvez o objetivo do autor seja o de dar credulidade ao relato, mas chegou uma hora em que eu desisti de tentar entender qual mafioso era de onde; muito nome tudo junto e misturado.
        Jà com relaçao ao conteudo, fiquei sem saber onde està a linha divisoria entre a “verdade” e a “criatividade jornalistica” do autor. Mas, supondo que sò metade do que ele denuncia seja verdade, ainda assim è muita podridao! Como voce disse, esse livro faz a gente perder a fè na humanidade.

        • Pois é, Luisa, também achei arrastado. Leitores comuns não conseguem absorver tanta informação, né? Eu também achei difícil encontrar essa linha, até porque a gente não sabe ao certo a posição do autor nessa história, mas de toda forma acho que é um livro bem válido. E triste, como é triste ver tanta podridão!

  2. Lucimara Busch

    Fiquei curiosa com a escritora Silvia Avallone, e li Aço, que é primeiro romance dela. Gostei do modo como ela escreve, gostei do cenário do livro, porém, a história não me encantou! Ficou faltando alguma coisa, mas valeu, pois descobri uma região da Itália!

  3. Lu Malheiros

    Camila,
    Não achei o livro ruim, mas ele não chegou a me empolgar.
    O que mais me surpreendeu no livro foi a dimensão da ação mafiosa, principalmente em áreas que acabam afetando o meio ambiente como, por exemplo, a questão dos lixões :-(

    • Lu, essa dimensão também me impressionou. A influência da máfia parece estar por toda parte e no mundo todo. Por isso esse livro me deixou meio desiludida com o mundo…

  4. Lucimara Busch

    Oi Camila! Eu vi uma entrevista do autor com a Ilze Scamparini e foi aí que soube que ele vive sob proteção por causa do livro. Como havia comentado com você, acabei adquirindo o livro em italiano, e acredito que será bem mais difícil ler, depois que vi o seu post rsrs. Será um desafio, porém, bem interessante! Bj

    • Lucimara, não sei qual o seu nível de italiano, mas talvez o maior problema seja o tamanho do livro mesmo. Boa sorte! Depois me conte como foi a experiência!

      • Lucimara Busch

        Ainda estudo italiano! Fácil não será, e espero aprender com o livro também! Te conto sim, se eu conseguir rsrs!

        • É uma boa ideia Lucimara, também estudo, mas acho que essa leitura será dificil. Eu escolhi um do Beppe Savergnini, que é um jornalista bem divertido e também comprei pelo banner da cultura no meu blog…ainda nao li. preciso ver isso! beijos!

          • Lucimara Busch

            Eu comprei o Gomorra por 10,00 na Estante. Me empolguei, mas como eu disse, será um desafio enorme. Podemos trocar figurinhas do italiano. Depois me passe qual livro Beppe tá? Bjs

            • Oi Lucimara. Claro. Vamos sim. como vc comprou barato!!! Os livros do Beppe sobre viagens sao otimos. Ele satiriza os proprios italianos. O q comprei em italiano e o manuale del perfetto turista e em portugues e o “a cabeca do italiano” ;) qquer voisa fala. Bjo

              • Lucimara Busch

                Esse em português já tenho na minha wish list! Vou pesquisar esse outro. Obrigada pela dica! Bjs

  5. oi Camila. Seu relato me interessou pois me recordou de “Abusado” de Caco Barcellos, q tb q ir pra fora do Brasil apos ter compilado tantas informacoes sobre o morro do Alemao e o trafico de drogas. Acho que vou ler este livro.

    Sodoma e Gomorra na Biblia foram cidades nas quais o pecadovera evidente e forte e Deus queria destruir essas cidades. E o fez, será que o nome do livro tem a ver com isso? Como se fosse uma mostra de um lufar nojento como vc mesma disse? No qual o “pecado” era evidente? Beijos

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