Prizren: para amar e entender o Kosovo

Nossa sorte começou cedo, quando chegávamos à rodoviária de Pristina. Fomos até lá a pé, o que não foi uma boa ideia por causa da poluição dos carros no caminho, mas foi bom porque quando estávamos quase chegando o ônibus das 9h30 estava saindo. O cobrador deve ter percebido de longe nossas caras de turistas e gritou: “Prizren?” Pegamos o ônibus ali mesmo, na rua, sem precisar esperar nem um minuto. Pura sorte!

A viagem levou cerca de duas horas. Míseros 80 km separam Pristina de Prizren, mas os ônibus mais lentos passam por estradas secundárias e param muito no caminho, o que torna a viagem demorada. Esse é um trajeto que eu adoraria ter feito de carro, pois a estrada era tranquila e a paisagem  linda!

De Pristina a Prizren

De Pristina a Prizren

Desembarcamos na rodoviária de Prizren e logo encontramos um posto de informações turísticas. Nosso guia trazia apenas alguns parágrafos sobre a cidade  e não nos ajudava muito, então essa parada era essencial. Munidos de um mapa, começamos a caminhar rumo às atrações da cidade. No início ela nos pareceu sem graça, uma cidade normal, mas quando chegamos à parte mais turística é que vimos o quanto ela era bacana!

Prizren - Kosovo

Prizren - Kosovo

Prizren tem cerca de 180 mil habitantes e é a segunda maior cidade do Kosovo, além de um dos principais destinos turísticos do país. Lá a gente encontra muitas construções antigas – como mesquitas do século XV e igrejas ortodoxas sérvias medievais – que contam a história da cidade ao longo dos séculos, especialmente os períodos de domínios sérvio e otomano. Mas foi nessas igrejas que a gente começou a perceber o quanto os conflitos entres kosovares-albaneses e sérvios ainda são evidentes.

Um das mais belas é a Igreja de Nossa Senhora de Ljeviš, uma igreja sérvia construída no século XII, transformada em mesquita durante o Império Otomano e devolvida à igreja ortodoxa no século XX. Um guarda armado vigiava a igreja e ela estava cercada, tudo isso para tentar garantir que esse patrimônio histórico não seja destruído pelos conflitos raciais. Essa proteção é mesmo necessária, pois já tentaram destruir a igreja diversas vezes. Ela está na lista da Unesco dos Patrimônios Mundiais em perigo, junto com outras quatro igrejas ortodoxas sérvias que eles chamam de Monumentos Medievais do Kosovo. É muito triste ver essas coisas acontecerem até hoje, não é?

Igreja de Nossa Senhora de Ljeviš

Igreja de Nossa Senhora de Ljeviš

Mas foi só nos afastar da igreja para que Prizren mostrasse um astral bem diferente. Ficamos impressionados com as ruas e bares lotados num dia de semana, como aconteceu muitas vezes nessa viagem aos Balcãs. Acho que as pessoas estavam aproveitando o restinho de verão e calor antes que o inverno começasse a dar as caras.

Prizren

Prizren

Prizren

À beira do Rio Bistrica há dezenas de bares e restaurantes que estavam cheios de jovens naquela quinta-feira. Foi difícil encontrar um que tivesse opções vegetarianas, mas me contentei com um que tinha um espaguete básico para matar a fome rapidamente e poder continuar o passeio. Não tínhamos tempo a perder, afinal, só teríamos algumas horas para aproveitar Prizren.

Prizren

Rio Bistrica, em Prizren

Prizren

Com a barriga cheia, seguimos em frente. Prizren é uma cidade super fotogênica. O burburinho acontece nas proximidades da Ponte Otomana, uma ponte de pedra do século XV recentemente restaurada, mas a verdade é que todo cantinho era fofo e merecia uma foto. Nossa caminhada nem rendia muito. Em pouco tempo eu já estava apaixonada pela cidade e arrependida por não ter reservado uma noite por lá.

Ponte Otomana e Mesquita Sinan Pasha ao fundo

Ponte Otomana

Mesquita Sinan Pasha e Igreja do Santo Salvador

Nosso destino era a fortaleza no alto de Prizren, mas fomos parando para ver algumas das dezenas de construções históricas no caminho. Uma delas era o Hammam de Gazi Mehmed Pasha, um casa de banho turco construída em 1563, mais uma herança do domínio otomano na região. Aparentemente ela estava sendo restaurada (espero que não apenas escorada para não cair).

Hammam de Gazi Mehmed Pasha

Hammam de Gazi Mehmed Pasha

Um pouco depois passamos pela Mesquita Bajrakli, ou Mesquita Mehmed Pasha. Também só a vimos por fora, pois confesso que tenho ficado meio sem graça de sair invadindo espaços religiosos de outras crenças, ainda mais os que impõem muitas restrições às mulheres como as mesquitas. Quando é um lugar turístico não me importo, mas ali em Prizren éramos quase os únicos turistas, então não me senti à vontade.

 Mesquita Bajrakli Mesquita Bajrakli

 Mesquita Bajrakli

Ao lado da mesquita fica o complexo que sediou a Liga de Prizren, uma organização política fundada em 1878 por albaneses de diversas regiões que lutavam por uma Albânia autônoma. A casa foi destruída pelos sérvios durante a Guerra do Kosovo, mas foi reconstruída e hoje abriga o Museu Etnológico. Já perceberam que nesse dia a gente não queria saber de entrar em templos ou museus, né? Nossa intenção era só mesmo andar pela cidade. Do Museu Etnológico só aproveitamos o pátio, um lugar delicioso para uma pausa no meio da nossa caminhada.

Mesquita Bajrakli e Museu Etnológico

Pátio do Museu Etnológico, sede da Liga de Prizren

Logo seguimos em frente, deixando a Ponte Otomana e o centrinho histórico para trás, mas tendo uma visão ainda melhor deles sob um novo ângulo. Mesmo com o céu nublado Prizren não deixava de me encantar com suas cores e formas.

Antiga ponte de pedra Otomana

Casas de Prizren e Mesquita Sinan Pasha

Mesmo sem uma fonte de informações formal, já que nosso guia Lonely Planet não nos contava muita coisa, em Prizren tivemos uma verdadeira aula de História sobre o Kosovo. Pelas ruas era possível perceber que o nacionalismo kosovar-albanês por lá era ainda mais forte que em Pristina.

Monumento em PrizrenBandeiras em Prizren

A questão das igrejas já tinha nos chamado atenção, mas foi no caminho para a fortaleza que ficamos ainda mais impressionados. Vimos várias casas destruídas e não foi difícil concluir que nelas viviam sérvios. Pelo que pude descobrir depois, foi nos conflitos de 2004 que a maioria das construções sérvias foram atacadas, incluindo o bairro que fica na subida para a fortaleza. Os poucos sérvios que ainda viviam lá após a guerra foram embora após esses ataques. E as ruínas permanecem “de pé” como tristes símbolos das intolerância entre albaneses e sérvios.

Casa sérvia destruída em Prizren

Casa sérvia destruída em Prizren

Outra vítima dos conflitos de 2004 foi a Igreja do Divino Salvador. Da igreja ortodoxa construída em 1330 restam praticamente apenas as paredes externas. Ela também fica no caminho para a fortaleza. Esse pequeno trecho talvez tenha sido a parte mais chocante da nossa viagem, pois foi quando vimos de perto as marcas dos conflitos recentes que abalaram o Kosovo e que infelizmente ainda não foram resolvidos.

Igreja do Divino Salvador

Igreja do Divino Salvador

Logo chegamos ao topo da montanha, onde fica a antiga fortaleza de Prizren, a Kalaja. A fortaleza em si não tem nada de interessante, mas o que leva os turistas até lá é a incrível vista da cidade que se tem lá de cima. É uma subida e tanto, mas a vista compensa.

Prizren vista da fortaleza

Prizren vista da fortaleza

Mal tivemos tempo de aproveitar a vista, pois o que vimos assim que chegamos foi uma chuva se aproximando rapidamente. Lá em cima não tínhamos onde nos esconder. O portão de entrada nos protegeu da chuva mais forte momentaneamente e assim que ela ficou mais branda nós vestimos as capas de chuva e começamos a descer o morro. No caminho, um pouco abaixo, tínhamos visto um café e foi para lá que nos dirigimos para esperar a chuva passar. Pedimos chá e sorvete e ficamos namorando a vista, que de lá também era ótima.

Prizren - Vista da lanchonete a caminho da fortaleza

Prizren sob chuva

O rapaz que nos atendeu não falava inglês, mas na hora em que fomos pagar conseguimos entender que ele não queria nos cobrar! Insistimos e ele pegou umas moedas na mão do Eduardo que com certeza não pagavam o que tínhamos consumido. Ele passava o dia sozinho naquele lugar isolado no qual não entrava quase ninguém e ainda não queria receber dos poucos clientes que apareceram naquela tarde? Não aceitamos e deixamos todas as moedas que tínhamos com ele. Mas o que mais me impressionou foi esse contraste: a gentileza albanesa que nos conquistou no Kosovo e na Albânia com a fúria das pessoas nos conflitos com os sérvios…

Prizren

Prizren - Vista da lanchonete a caminho da fortaleza

De volta  ao centrinho de Prizren, demos mais uma volta pelos arredores da Ponte Otomana e me espantei ao ver uma igreja ortodoxa inteira! Era a Catedral de São Jorge. Ela também foi destruída em 2004, mas foi reconstruída e está em funcionamento sob proteção policial. É possível visitá-la, mas mais uma vez nós nos contentamos com seu exterior. Em frente à catedral fica a Capela de São Nicolau. A pequena capela foi construída em 1331 e bastante danificada em 2004, mas foi restaurada.

Catedral de São Jorge

Catedral de São Jorge

Capela de São Nicolau

Assim que a chuva passou as ruas se encheram novamente. Não eram turistas, eram moradores locais que a aproveitavam aquela tarde. Essa carência de turistas em Prizren me impressionou. Como é que uma cidade charmosa e cheia de história como ela ainda não tinha sido descoberta? Ainda há muito a ser feito, muito patrimônio a ser restaurado e um pesado histórico de conflitos a ser resolvido, mas para o turista a região é tranquila e tem muito a oferecer. Além disso, o Kosovo é muito barato e o povo muito hospitaleiro. Não sei se é preconceito, a lembrança da guerra recente ou simplesmente falta de informação, só sei que os viajantes não sabem o que estão perdendo ao ignorarem o Kosovo!

Prizren

Prizren

Veja todos os posts sobre a minha viagem aos Balcãs.

6 Comments

  1. EI Camila!!!
    Meu pai chegou no seu post, pois esta programando uma viagem ao Kosovo! Esta encantando com as dicas!!
    Quando ele me falou, achei a maior coincidencia!! Mundo pequeno este!! :)
    Super beijo!
    Fe costta – viaggio mondo

  2. Linda essa cidade! e as fotos estão maravilhosas!

  3. Liliana Stahr

    Que vontade de conhecer o Kosovo e arrependimento de não ter esticado a viagem da Albania para lá. Mas como não fica longe, estou só anotando as dicas :) Já falei que estou amando seus posts sobre os balcãs? (acho que umas 100 x,rs)

    • Ah, mas eu me arrependi de não ter conhecido as praias da Albânia! Não tem jeito, o tempo é ilimitado e a gente tem que escolher. E já começa a planejar novas viagens! ;-)

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