Viagem a Cuba: a ilha que eu conheci

Nunca foi tão difícil responder à clássica pergunta “como foi a viagem?” quanto agora, ao chegar de Cuba. Dessa vez as pessoas não querem saber apenas se gostei ou qual foi meu lugar preferido, elas querem mais detalhes. Quem não conhece Cuba quer saber como são as coisas por lá. Quem já foi quer saber se a ilha mudou. A curiosidade é compreensível, afinal, Cuba é um país singular. Mas como sintetizar tudo em poucas palavras? Foi apenas uma semana, mas uma semana intensa que me deixou com mais perguntas do que respostas.

Viagem a Cuba

Já começo dizendo que Cuba nunca foi o destino dos meus sonhos. Eu queria conhecê-la, mas não havia pressa. De vez em quando eu olhava o preço da passagem pra lá, mas só por distração, como eu costumo fazer com vários destinos. Eu sempre desistia porque achava a passagem muito cara. E também porque eu tinha um pouco de medo. Medo do que eu iria ver, do que eu iria sentir. Eu imaginava Cuba um misto do Camboja com o centro histórico de Tbilisi, a capital da Geórgia: muita pobreza e um patrimônio arquitetônico decadente. Eu não me sentia preparada. Até que, em maio desse ano, eu estava nessa de procurar destinos aleatórios e vi que a Copa Airlines estava oferecendo passagens para Havana pela metade do preço normal. Só tínhamos mais alguns dias de folga no ano, mas emendando uns feriados dava para ter 10 dias livres. Não pensamos duas vezes, compramos!

Nos primeiros dias em Havana eu achei que o país tinha deixado os estereótipos para trás. Em Habana Vieja a restauração de muitos prédios antigos já mudou grande parte do cenário. Nas ruas, carros novos dividiam o espaço com os famosos carros antigos. As praças estavam lotadas de cubanos com seus smartphones utilizando o wi-fi que aos poucos começa a ficar mais acessível. Os supermercados não eram a sequência de prateleiras vazias que as pessoas descreviam. Fiquei feliz por eles! Cuba parecia estar melhor, sem as privações típicas do passado.

Carros novos e antigos em Havana

Ao mesmo tempo, os cubanos não me cativaram de cara. Em Habana Vieja o assédio aos turistas nos incomodou muito. Não dava para sentar numa praça sem que alguém viesse nos tentar vender algo ou aplicar um golpe. Nas ruas não bastava dizer no gracias, eles vinham nos seguindo. Era chato! Num primeiro momento nos fechamos, não demos espaço para ninguém que se aproximava por medo de sermos passados para trás. Para piorar, a dona da casa em que nos hospedamos não foi muito receptiva. Com essa primeira impressão, achamos que nossa viagem a Cuba não seria marcante como imaginávamos. Muita gente dizia que o país tinha mudado sua forma de enxergar o mundo, mas parecia que sairíamos de lá ilesos.

Foi em Trinidad que as coisas começaram a mudar. Gosto mesmo é de viajar por cidades menores, onde o tempo parece passar mais devagar, e lá era assim. Apesar da enorme quantidade de turistas, dava para ver que o povo da cidade continuava levando uma vida tranquila. Crianças brincavam nas ruas na volta da escola, famílias se sentavam na frente da televisão para assistir à novela brasileira da vez, as portas estavam sempre abertas. O ritmo era outro.

Trinidad

Eu havia ouvido falar que lá o assédio seria pior que em Havana, mas não foi isso o que senti. Talvez tenhamos tido sorte, mas achei as pessoas bem menos insistentes e mais simpáticas com os turistas em Trinidad. Além disso, comemos bem, o calor era mais ameno, dava para fazer tudo a pé e uma praia linda ficava a poucos quilômetros de distância. Estávamos no paraíso! Fizemos as pazes com Cuba! E aquela impressão de que Cuba havia mudado para melhor permanecia.

Desde que Raúl Castro assumiu o poder no lugar do irmão Fidel, em 2006, muita coisa aconteceu em Cuba. Todo mundo sabe da recente reaproximação com os Estados Unidos, mas as mudanças começaram antes. Desde 2008 os cubanos têm permissão para se hospedar em hotéis turísticos e para comprar telefones celulares e outros eletrônicos. Em 2011 vieram as maiores mudanças: o setor privado foi estimulado através da autorização de quase 200 profissões e a venda de carros e imóveis foi legalizada. (Fonte: Lonely Planet Cuba)

Senhora cubana fazendo crochê

Acho que é até difícil nós, brasileiros, compreendermos o alcance dessas medidas. Pense que antes disso quase todos os cubanos trabalhavam para o Estado e que nas últimas décadas o país ficou praticamente estagnado. É uma reviravolta! Só para ter uma ideia, ainda de acordo com o Lonely Planet, em 2011 Trinidad tinha 3 restaurantes privados e agora tem quase 100! Quem esteve em Cuba há uma década provavelmente não a reconheceria hoje.

Falando do mercado turístico, que é o único que eu posso avaliar, acho que o turista não tem muito do que se queixar em Cuba hoje. A gente encontra ótimos restaurantes, hospedagem para todos os bolsos e estilos, tem acesso a internet (mesmo que cara e limitada) e transporte satisfatório. Até a questão do dinheiro já ficou mais fácil, pois caixas eletrônicos estão por todo lado – não cheguei a usá-los, mas sei que mesmo os cartões americanos já são aceitos. Isso sem falar em todos os atrativos turísticos: história, praia, cultura, natureza… De que mais precisamos?

Arte na rua em Trinidad

Foi numa conversa com nosso anfitrião em Trinidad que começamos a ver as coisas de outra forma. Depois dessa conversa nós mudamos de atitude e nos abrimos mais para os cubanos. Saber o que enfrentavam nos fez enxergá-los de outras forma e essa abertura nos proporcionou uma experiência muito mais rica.

O Famby é arquiteto, sua esposa Yanara é psicóloga. Os dois largaram seus empregos públicos recentemente para se dedicarem apenas a receber turistas nos dois quartos que construíram para esse fim. É fácil entender o porquê: em poucos dias os turistas pagam pelos quartos o que eles recebiam em um mês de salário. E olha que a hospedagem é barata: 25 CUCs por noite (equivalente a 25 dólares). É por isso que quase todas as casas de Trinidad têm o símbolo de aluguel na porta das casas. Para ter esse direito eles pagam uma taxa mensal ao governo, independentemente da ocupação dos quartos, e precisam atender a alguns critérios, como disponibilizar chuveiro com água quente para os hóspedes.

Com o dinheiro entrando, a gente imagina que as coisas estão melhores, né? Bom, eu acho que de certa forma elas estão, mas essas mudanças estão acentuando um problema que no Brasil a gente conhece bem: a desigualdade social. A existência de duas moedas agrava o problema. O peso cubano (CUP) vale 25 menos que o peso conversível (CUC), que tem valor equivalente ao dólar. O CUP seria o dinheiro do povo e o CUC o dos turistas. Só que o CUC já não circula só entre os turistas e a pessoa que recebe o salário do governo em CUP não tem qualquer condição de comprar produtos em CUC nos supermercados, por exemplo. E as cestas básicas que as pessoas recebem do governo já não alimentam ninguém. Com essa economia maluca, quem recebe dólares do exterior ou quem ganha mais com o turismo está num patamar econômico muito superior a quem trabalha para o governo. É confuso!

Trabalhadores voltando para casa

Há também o problema da escassez de produtos. Levamos  na bagagem papel higiênico e sabonete, pois diziam que esses itens eram luxo por lá, mas em quase todos os lugares que fomos eles estavam à nossa disposição. Nos restaurantes o cardápio era sempre variado e nunca nos faltou nada, mas a realidade do povo é diferente. Nos disseram que a falta de produtos e comida ainda é uma realidade. Num dia pode faltar frango no mercado, no outro pode não ter água. A falta de água nós até presenciamos. A água da torneira em Cuba não é potável, então os turistas e também muitos cubanos consomem água mineral. Às vezes tínhamos que ir a vários supermercados para encontrar água e o tamanho máximo que achávamos eram garrafas de 1,5 l. Além de cara, uma prática péssima para o meio ambiente!

Uma coisa que um senhor me disse e eu custei a acreditar é que ainda hoje os cubanos são proibidos de comer carne de vaca. Ele me disse que desobedecer a lei pode levar uma pessoa à prisão. Eu achava que a restrição só acontecia pelo preço elevado da carne, mas não é só isso. Todas as vacas de Cuba pertencem ao governo e, mesmo que você compre e crie uma vaca, não pode matá-la sem permissão (veja essa matéria recente da BBC sobre o assunto). Pelo que entendi, só o governo pode comprar a carne. E o que as pessoas dizem é que quem as come são os “chefes” e os turistas. Nos cardápios dos restaurantes ela não faltava. Bom, eu sou vegetariana e não quis saber de carne, mas o Eduardo não é e mesmo assim não teve coragem de comer carne em Cuba.

Viagem a Cuba

Depois de tudo o que eu falei, conseguiram entender porque eu não posso resumir a viagem a Cuba em poucas palavras? Ainda nem consegui definir minhas impressões! Sei que amei Cuba, mas como tentar descrever a ilha hoje se mesmo os cubanos não têm essa resposta e estão inseguros em relação ao futuro de seu país? Em uma entrevista à Revista Fórum, o escritor Leonardo Padura disse: “não esperem que eu seja capaz de explicar a política cubana, primeiro porque não sou político e segundo porque é um exercício demasiadamente difícil explicar a política cubana.” Se nem ele consegue explicar, imagine se eu que passei apenas uma semana lá vou me atrever a tentar entender!

Acho engraçado quando alguém diz que não compensa mais ir a Cuba, que ela já mudou e perdeu a graça. Hã? Como assim? A graça era ver um povo privado de tudo, sem liberdade de expressão e sem acesso a tecnologia? Felizmente essas coisas estão mudando! Se essa mudança está acontecendo da melhor forma eu não sei dizer, o momento ainda é de transição. Mas tenho certeza que um turismo consciente e responsável pode ser um agente de mudanças positivo para o país. E essa questão já renderia um outro post…

O que senti que ainda não mudou é a alma do povo cubano. Um povo simpático que adora os brasileiros. Um povo forte e amável que merece um futuro melhor.

Em breve falarei sobre coisas mais práticas para te ajudar a planejar sua viagem a Cuba, mas já fique sabendo que minhas informações não serão válidas por muito tempo. A Cuba de hoje não é a mesma de amanhã.

20 Comments

  1. airton madureira

    em maio vou pra la sozinho, quero ficar no centro. Tb pretendo ir até Santa Clara. Que de tudo certo rs

    • Camila Navarro

      Vai dar tudo certo sim, Airton! Depois me conte como foi. A Cuba de agora já não deve ser a mesma que eu conheci.

  2. Olá!
    Há uma informação que não tenho visto nas postagens de quem tem ido a Cuba. São as tomadas para carregar nossos apetrechos. Precisam de algum adaptador? Agradeceria a quem pudesse me contar.

    • Camila Navarro

      Fatima, sugiro um adaptador universal, não só para essa, ms para qualquer viagem, assim você não precisa se preocupar.

  3. Oi Camila, estou indo pra Cuba final de novembro e depois de ler suas dicas estou mais do que ansiosa para me encantar nessa ilha!! Fiquei curiosa com um assunto, como é a comunicação verbal lá?? Com relaçao ao “cubanes”..é tranquilo entender o que eles falam?? Eles entendem o portunhol??rs
    Bjs,
    Dani

    • Camila Navarro

      Dani, meu espanhol não é lá grandes coisas, mas mesmo assim nos comunicamos facilmente. Os cubanos gostam dos brasileiros e têm paciência com nosso portunhol.

  4. Alex Sertão

    Belo texto. Vai ma ajudar muito.

  5. Muito interessante, Cuba realmente não parece um lugar que se possa explicar em poucas palavras. Também nunca foi meu destino numero um, mas a vontade está aumentando nos últimos tempos, não vejo a hora de ler mais.

  6. Nativos do Mundo

    Camila, Cuba é um encanto e sempre será.
    Alguns pontos: sobre a carne de vaca, realmente é proibido o comércio, mas isso se deve ao fato de que como há poucas criações no país, a carne vai para quem precisa delas no cardápio com prescrição médica, como pacientes com anemia, ou alguma carência protéica. Sei disso, pois fiquei na casa de um casal de amigos que estudou medicina em na Universidade de Havana e eles me tiraram muitas dúvidas sobre o país.
    Sobre a pobreza, é curioso pensar que qualquer cubano, mesmo na pior fase da escassez que o país viveu depois da queda do muro de Berlim, vive melhor que um brasileiro nas periferias de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A saúde é 100% pública e de qualidade, assim como a educação (você reparou como os cubanos são cultos? Isso me impressionou!). Rodei a ilha inteira e não vi morador de rua, nem crianças pedindo dinheiro. Enfim, é claro que a gente sempre espera melhoras, mas tomara que no caso de Cuba ela não seja pra pior! ;)
    Bjo!

    • Ana, é como a Paula falou, Cuba se mostra pelas vozes que a gente escuta. Dependendo das pessoas com quem a gente conversa, a imagem que a gente tem é diferente. Eu conversei um tempão com o senhor numa praça em Cienfuegos. Ele era faxineiro numa escola infantil. A realidade dele era muito diferente dos donos da casa onde eu estava, uma médica e um advogado. Essa questão da carne mesmo… Sim, tem restrições, mas não para o turista, né? E a ilha tem cada dia mais turistas.

      Sobre a saúde, duas pessoas com quem conversei não falaram tão bem. Um foi esse senhor. Ele dizia que tudo o que os médicos fazem hoje é prescrever remédios que ele não tem condições de comprar. Outra pessoa com quem conversei, mais jovem, dizem que a saúde ainda é boa (com poucos recursos, mas boa), mas não para os idosos. São visões individuais, é claro, mas que mostram que nem todos estão satisfeitos.

      Eu também acho que o pobre lá vive melhor do que aqui, mas isso não quer dizer que viva bem. Ele não será miserável como aqui, terá garantia de um mínimo que o ajude a sobreviver, mas não me parece que seja uma vida fácil. O dinheiro que eles ganham já não vale nada… Moradores de rua eu vi só uma vez, num dia em que fomos do centro de Havana a Vedado a pé, mas talvez eles estivessem na rua por opção. Acontece, né? Mas pedindo dinheiro eu vi vários nos locais onde havia mais turistas, inclusive crianças. Passavam pedindo CUCs.

      Uma coisa da qual eles se orgulham é da segurança. Todos os cubanos com quem conversamos falavam disso. Mas fico pensando se o aumento da desigualdade social não irá acabar com isso.

      Enfim, só nos resta torcer por um futuro melhor para os cubanos. Acho que você também voltou apaixonada por Cuba, né?

  7. Maisa Guimarães

    Adorei os relatos! Imagino msm que a relação com cuba é marcada por mta ambivalência! Mas com certeza sua descrição me ajudou a me aproximar um pouco de todos esses sentimentos!

    • É isso mesmo, ambivalente! Tenho certeza de que você também iria amar Cuba, querida, apesar desses sentimentos que ela desperta na gente. Ou talvez por causa deles também!

      Sempre bom te ver por aqui! =)

  8. Adorei o relato. Tava esperando seus relatos de Cuba.

  9. Começou muito bem! Estava ansiosa pelos seus relatos. Cuba eh numero um na minha lista e, como eu ja te disse, vai ser otimo conhecê-la através do teu plhar antes de fato viajar pra lá.

    • Já te disse também que imagino que sua viagem será ainda mais rica que a minha, né? Eu tenho vergonha de sair falando com as pessoas, mas você voltará com ainda mais histórias!

  10. Cuba é um país que se mostra pelas vozes e elas destoam, a cada conversa um sentimento, uma felicidade ou um amargor. Tivemos sorte, fomos muito bem acolhidas em Havana, ela virou paixão. A desigualdade é o que mais nos pesou, além de uma ainda falta de liberdade arraigada. Há bens de consumo disponíveis, embora restritos, mas não são acessíveis para todos – depende de você ter acesso, ou não, ao CUC. Não presenciei a conectividade em Cuba, que chegou um pouco depois de nosso retorno, mas presenciei as pessoas conversando, em grupos, pelas ruas e praças. Sabe o que mais gosto? Que Cuba é uma para cada um de nós, se permite ser muitas, como poucos lugares possuem história para tanto. Adorei as fotos de vocês, Camila! BjO!!

    • É assim mesmo Paula, uma Cuba para cada um de nós e também para cada um dos cubanos. As impressões vão mudando a cada pessoa que cruza o nosso caminho, mas não é sempre assim? Há muitos problemas comuns a todos, mas a realidade de cada um é única. É um lugar mágico! E se a gente voltar lá daqui a um ano aposto que veremos ainda mais novidades, viu?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.