198 Livros: Síria – Death Is Hard Work

198 Livros - Síria

Não é a primeira vez que leio sobre conflitos e guerras no Projeto 198 Livros, muito pelo contrário, mas encontrar nas páginas de um livro cenas que vi na internet muito recentemente é novidade. Ainda estão frescas na minha memória as imagens de pessoas sendo resgatadas no mar ou, ainda pior, de barcos naufragando sem que elas recebessem auxílio. A imagem de uma criança morta na praia chocou o mundo, apesar de ter sido rapidamente ofuscada pelas guerras mais recentes. Em Death Is Hard Work Khaled Khalifa não nos leva aos barcos de refugiados, mas nos mostra o que vive um cidadão na Síria para ter coragem de enfrentar tantos perigos para de lá fugir.

Death Is Hard Work começa com um pedido relativamente simples. Abdel Latif está prestes a morrer em um hospital de Damasco quando faz um último pedido a seu filho Bobol: ele quer ser enterrado em Anabiya, seu vilarejo natal, perto de Aleppo. Bobol não tem coragem de negar o último desejo ao pai e, assim que ele morre, procura os irmãos, Hussein e Fatima, para que os três levem o corpo.

A distância não é grande, são apenas uns 300 km, mas a Síria é uma zona de guerra, então eles esperam chegar a Anabiya até o fim do dia. Hussein ajeita sua van e coloca o corpo do pai atrás do banco do motorista, enrolado em um cobertor e com placas de gelo em volta. O clima frio naquele inverno ajudaria a manter a logística.

Death Is Hard Work - Khaled KhalifaHussein traça o melhor caminho para fugir do trânsito na saída de Damasco, mas o tempo que ganham nesse momento não faz muita diferença. Logo eles começam a enfrentar os inúmeros postos de controle, controlados por diferentes agentes dependendo da região. Num contexto em que as mortes são banalizadas, estar carregando o corpo de um pai rumo ao enterro que ele desejou não comove ninguém. E morrer velho por uma doença decorrente da idade é quase uma afronta aos que continuam lutando pela vida.

A viagem serve também para reunir os três irmãos. Apesar de morarem na mesma cidade, eles vivem em mundo diferentes, completamente apartados, por escolha. No início do dia eles sentem que aquela é uma chance de recuperarem a união da infância, mas logo percebem que essa tarefa também não será fácil.

“Bolbol, later, regretted not having stood up to his father. He should have reminded his father how difficult it would be to carry out his instructions given the current situation. There were mass graves everywhere filled with casualties who’d never even been identified. No ‘aza lasted more than a few hours now, even for the rich: death was no longer a carnival people threw in order to demonstrate their wealth and prestige. A few roses, a few mourners yawning in a half-empty living room for a couple of hours, someone reciting a sura or two from the Qur’an in a low voice … that was all anybody got.”

A história vai e vem no tempo e aos poucos vamos conhecendo o passado dos personagens. É perturbador ver que eles viviam em um mundo “normal” e que nos últimos anos a guerra transformou tudo. O dia a dia de Bolbol é absurdo e não deixa nada a dever à vida de Winston Smith, o protagonista de 1984. Absurdas também são as situações pelas quais eles passam na viagem para enterrar o pai. Ouvir bombas caindo ao lado da estrada nem é o mais chocante.

O livro de certa forma nos explica o conflito na Síria, mas não é algo fácil de entender. Podemos até tentar demarcar o estopim da guerra, mas um evento nunca é desvinculado do seu passado. E, no momento em que a história se passa, diferentes facções já brigam contra o governo e entre si. Sem contar a interferência de outros países, que deixa tudo ainda mais confuso. O pior é pensar que a guerra na Síria já dura mais de uma década e ainda não acabou. Enquanto isso, outras guerras continuam acontecendo e novas surgem pelo mundo. Ao saber de notícias assim é difícil não pensar que falhamos.

Death Is Hard Work foi publicado originalmente em árabe, em 2016, e em inglês em 2019 com a tradução de Leri Price.

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2 Comments

  1. =( Me pergunto sempre até quando continuaremos “resolvendo” os diferentes conflitos com guerras… Fiquei bem interessada nesse livro. Muito obrigada, Camila, por ter dividido sua leitura conosco.

    • Camila Navarro

      Já é triste quando lemos sobre conflitos passados, mas ler sobre aqueles que continuam em curso é ainda mais doloroso. Assim como acompanhar as notícias…

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