198 Livros: Omã – Earth Weeps, Saturn Laughs

198 Livros - OmãOmã prometia ser mais um destino difícil. Aparentemente, não existia um único romance omani traduzido do árabe, tanto que a Ann Morgan acabou lendo uma coletânea de contos infantis publicada pelo Sultan Qaboos Cultural Center chamada My Grandmother’s Stories: folk tales from Dhofar. Pensei que minha única opção seria seguir o mesmo caminho e até entrei em contato com o centro cultural, que gentilmente me enviou uma cópia do livro, mas então me lembrei de pedir ajuda no blog Arabic Literature. A autora do blog, M. Lynx Qualey, me deu uma ótima notícia. Ela disse que acabara de ser publicada a tradução em inglês de um romance omani, mas que o livro exigia um gosto apurado, pois não tinha os mesmos padrões dos romances ocidentais. Essa descrição foi suficiente para me deixar curiosa. Esperei algumas semanas, pois o livro teve que ser importado (comprei pela Book Depository), mas depois de ler as primeiras páginas eu já estava apaixonada por ele!

Earth Weeps, Saturn Laughs, de Abdulaziz Al Farsi é mesmo um Earth Weeps, Saturn Laughs, de Abdulaziz Al Farsilivro diferente. Para começar, não há um único narrador, mas sete! Isso mesmo, são sete narradores, sempre em primeira pessoa, que se revezam e nos possibilitam ter várias visões diferentes do que acontece. A princípio, nos parece que Khalid Bakhit, o jovem que retorna à sua vila natal depois de passar um tempo estudando e trabalhando na cidade grande, é o personagem principal do romance. É ele quem abre o primeiro capítulo, então pensamos que tudo girará em torno dele, mas a verdade é que é difícil definir um único protagonista nessa história. No fim das contas, acho que não são as pessoas que mais importam, mas a essência desse vilarejo encravado entre as montanhas e o mar.

O vilarejo, do qual nem sabemos o nome, parece ter parado no tempo. As construções de concreto já começaram a substituir as casas de barro, mas tradições ancestrais ainda fazem parte do dia a dia. As chamadas do muezim, ou melhor, dos muezins para as preces diárias ditam a vida dos moradores. O preconceito contra quem é diferente é forte e os negros são muito discriminados. A ignorância é tão grande que eles acreditam quando alguém diz que Bangladesh fica ao lado da França. Khalid sente bastante o contraste entre o provincianismo da vila e o mundo que ele conheceu lá fora. Sua relação com a terra natal é ambígua, carregada de frustrações e saudosismo, amor e ódio. Seus conterrâneos aparentemente são religiosos e moralistas, mas muitas vezes as convenções exteriores escondem muita hipocrisia. Um homem que reza na mesquita cinco vezes ao dia pode ser capaz de tramar armadilhas e até mesmo de assassinar crianças inocentes para preservar a honra da família.

A situação na cidade grande parece ser mais liberal, mas nesse vilarejo homens e mulheres vivem praticamente segregados. Por falar nisso, o enredo é essencialmente masculino. Os homens são a maioria dos personagens e são eles quem tentam ditar o rumo dos acontecimentos, mas as mulheres, apesar de terem uma presença tímida no livro, são marcantes. Elas são ousadas, transgressoras, inconformadas. Mesmo num universo tão tradicionalista e machista, elas tentam criar seu próprio destino e têm papéis determinantes na história.

A realidade se entrelaça com a fantasia em Earth Weeps, Saturn Laughs e muitas perguntas ficam sem respostas quando se chega às páginas finais. Mas livro bom é aquele que nos deixa pensando nele o dia todo, né? E foi o que aconteceu comigo! Eu não conseguia me desgrudar dele! Quando estou lendo no kindle é mais fácil, pois baixo o livro também para o celular e leio sempre que sobra um tempinho, mas esse era em papel e mesmo assim eu o carreguei na bolsa para todo lado, só esperando ter a chance de mergulhar um pouco mais nesse universo. Os personagens dessa história ficaram no meu pensamento mesmo quando eu já estava no livro seguinte. Sem dúvidas é um livro intrigante. Imagino que seja um daqueles que as pessoas amam ou odeiam. Acho que já ficou bem claro que eu amei. :-)

Earth Weeps, Saturn Laughs foi publicado originalmente em árabe, em 2007, e em inglês em 2013, pela The American University in Cairo Press. A tradução é de Nancy Roberts. Atualização: O livro já está disponível também em e-book.

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23 Comments

  1. Carla Portilho

    ***SPOILERS***

    Dessa vez eu demorei pra vir escrever os meus spoilers – em parte por falta de tempo mesmo, mas também porque o livro de Omã me decepcionou um pouco. Eu tinha criado uma certa expectativa acerca dos 7 narradores, e essa expectativa não se cumpriu, porque me pareceu que o autor não deu conta de trabalhar esses narradores com a maestria que esse tipo de estratégia literária exige.

    Vou me repetir aqui um pouquinho, porque já tinha dito a vocês no grupo no Facebook que gostei da parte do conteúdo, acho que o romance representou bem o país, mostrou de forma bem interessante os costumes de ao menos uma parte do país, assim como os contrastes entre os costumes nas vilas mais tradicionais e aqueles das cidades grandes.

    A minha ressalva ficou mesmo centrada no modo como ele estruturou o texto. O próprio enredo foi mal distribuído ao longo do romance – parece que a ação só começa a acontecer no terço final! Mas o maior problema mesmo foram os 7 narradores… Na minha opinião, o autor não deu conta de administrar isso, não conseguiu dar personalidade aos narradores. Explico melhor: para ter 7 narradores (e até para ter 2 ou 3…) não basta colocar no título do capítulo o nome de quem está narrando. É preciso dar personalidade, uma voz diferente; é preciso que o leitor identifique imediatamente que está lendo o relato de outro narrador, é preciso que eles tenham algum tipo de conflito. Se isso não acontecer, tanto faz ter 7 narradores quanto ter só um – e no caso desse romance, não fez diferença nenhuma ter 7…

    Pra não parecer que eu só reclamo / critico, vou deixar umas sugestões de obras literárias com vários narradores que dão conta do recado:
    1. Enquanto Agonizo – William Faulkner;
    2. Jaime Bunda, Agente Secreto – Pepetela;
    3. Garota Exemplar – Gillian Flynn (só pra fugir um pouco da dita “alta literatura”, rsrsrs…)

    • Lu Malheiros

      Carla, adoro seus spoilers! Sempre aprendo com eles!
      Entendo a sua crítica, mas devo admitir que nem fiquei muito aborrecida com isso, apesar de ser uma “falha grave”. Faz tempo que li o livro – obrigada por emprestar o seu :-) – e não fiz nenhuma anotação. O que me lembro é que ele foi melhor do que eu esperava…

      • Concordo com Lu, são ótimos seus spoilers Carla, mas confesso que não consigo ir tão além! rsrsrsrsrs E o basicão, já me fez muito feliz! :-)

        • Lucimara Busch

          Eu não li esse ainda, mas eu também não tenho toda essa capacidade rsrs. Como a Ana disse, o básico já me satisfaz também! :-)

    • Estou como a Ana Luiza, não consigo ir tão longe! rsrs Bom, eu teria que reler o livro para reparar nessa questão das vozes dos personagens que você menciona, porque realmente não percebi isso. De qualquer forma, minha impressão final é que a história que estava sendo contada ali não era a das pessoas, mas a da vila, tanto que o autor não se preocupou em amarrar as pontas do livro.

      Acabei de ler Garota Exemplar e agora estou aqui tentando comparar os dois. É meio difícil, já que li um inglês e o outro em português, mas já na linguagem vejo uma grande diferença entre eles. Acho a linguagem de Garota Exemplar fácil, explícita, a do livro de Omã não. Lembro de ter que ler o mesmo parágrafo muitas vezes para tentar entender o significado (e não só por causa do vocabulário!), porque o autor parecia esconder algo nas entrelinhas.

      Ó, e essa coisa de vários narradores está em alta, viu? Já foram vários! O do Cazaquistão é um deles. Sei que agora vou ler esses livros com outros olhos, tentando identificar o que você apontou, Carla!

      • Carla Portilho

        No Garota Exemplar o uso da linguagem pode ser claro, mas a narrativa é bem sofisticada – você nota bem a diferença de estilo entre a narração em primeira pessoa do Nick e o diário da Amy. O livro de Omã tem um inglês um pouco esquisito, meio truncado, o que acho que pode ter a ver com a tradução…

        Essa multiplicidade de narradores é uma característica bem contemporânea – que bom que temos outros!

  2. Camila, acabei de ler o livro na praia mas estava em off, sem sinal! Estava com vontade de comentar… Como você não consegui me desgrudar do livro! É muito instigante, porque trata-se de uma cultura totalmente diferente, todos rezando o tempo todo, mas com todo tipo de intriga e preconceito nos bastidores! Fiquei chocada! Muito interessante, a história da cidade, sendo contada por vários personagens!

    • Que bom saber que você também gostou, Ana! Como não é um livro muito convencional, acho que pode ser que nem todos gostem, né? Também gostei dos vários narradores, apesar de ainda assim a gente ter ficado sem algumas respostas. É um livro que provavelmente eu irei reler no futuro!

  3. Wanessa Lima

    Camila, comecei a ler o livro hoje e já estou adorando! Tem muito potencial, pois o autor é um grande contador de histórias. Espero que continue tão interessante até o fim!

    • Se você gostar tanto quanto eu, vai ler num segundo! Eu não conseguia tirar o olho!

      • Camila, terminei de ler o livro agora! Gostei bastante, apesar de pelo menos uma resposta importante não ter sido dada. Temos mais um avô de personalidade forte para a lista!
        Os livros que comprei no book depository estão demorando a chegar, mas encontrei o livro do Camboja na Estante Virtual e já tratei de comprar!

        • Lu, quando você tiver o ipad/kindle, vai ver que as compras ficarão muito mais fáceis. 11 dos 20 livros escolhidos até agora têm versão digital! Essa espera pela entrega me deixa agoniada. rsrs

  4. HeloRighetto

    ótima recomendacao! vou procurar

  5. Por aí e Por aqui

    Depois que li esse post fiquei pensando em como fazer algo semelhante. Como eu ainda estou estudando pra Concurso. Pensei que no minimo vou ler um livro, diferente de um guia, sobre o meu próximo destino de viagem.

    Como os planos são o Chile em abril do ano que vem, acabei de baixar um do Pablo Neruda. Só que só achei em inglês no kindle. Se há mal que vem para o bem, vamos ler o primeiro livros em inglês também! :D

  6. Wanessa Lima

    Eu também posso ir direto para Omã depois do Butão, pois o livro está na estante faz tempo.

    Camila, esse post, vou deixar pra ler depois, já que nem estou precisando de mais estímulo pra ler o livro!

    • Nossa, eu já nem me lembro mais da ordem certa dos sorteios! Mas no fim das contas a ordem é o que menos importa, né? Vou ficar esperando os comentários de vocês sobre Omã!

      • Se o meu chegar a tempo, encontro com vocês lá. Por enquanto, terminei Ruanda e estou indo para Bósnia, ainda abalada pela história.

  7. Carla Portilho

    Eu fiquei bem curiosa a respeito dele desde que você mencionou essa abundância de narradores… Como ele já está esperando aqui na estante, vou pegá-lo pra ler logo depois da Bósnia, já que, de acordo com o sorteio, originalmente Omã fazia parte do trio com a Argentina e a Bósnia…

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