198 Livros: Finlândia – Meu Primeiro Assassinato

198 Livros: FinlândiaEu nem precisei me preocupar em escolher um livro da Finlândia. Tenho uma amiga, a Mariana, uma das pessoas especiais que a internet trouxe para minha vida, que resolveu comemorar seu último aniversário de uma forma diferente: praticando Atos Aleatórios de Gentileza. Foi um projeto lindo e a Mari saiu espalhando amor por aí. Todo mundo sabe que gentileza gera gentileza, né? E a própria Mari não parou após seu aniversário. Quando ela soube do #198livros, disse que sua gentileza comigo em relação ao projeto seria me presentear com um livro finlandês. E logo eu recebi em casa meu exemplar de Meu Primeiro Assassinato, da escritora Leena Lehtolainen, que havia acabado de ser publicado no Brasil. A Mari é ou não é uma querida?

O livro é um típico exemplo da literatura nórdica contemporânea: um romance policial. Esse gênero parece ter ganhado força após o sucesso da trilogia Millenium, do sueco Stieg Larsson e hoje todos os países da região têm seus representantes no ramo. Vindo de uma região tão segura, o tema nos causa até certo estranhamento, mas há quem defenda que os habitantes dos países nórdicos apreciem os romances policiais há muito tempo e que os longos invernos favoreçam o hábito da leitura e também o processo criativo. Até que faz sentido!

Meu Primeiro Assassinato é o Meu Primeiro Assassinato - Leena Lehtolainenexemplar de abertura da série que acompanha os casos da policial Maria Kallio. E, como o nome sugere, nesse livro ela precisa desvendar seu primeiro caso de assassinato. Justamente em sua estreia ela se depara com um agravante: ela conhecia Jukka, o rapaz que foi assassinado, e também a maioria dos suspeitos. O crime acontece em uma casa de veraneio nas proximidades de Helsinque, na época em que os finlandeses mais aproveitam a vida ao ar livre: no verão, é claro! Os suspeitos eram jovens que faziam parte do grupo de coral de Jukka e que haviam se reunido para ensaiarem uma apresentação. Maria Kallio até tenta se desvincular do caso, alegando sua relação com os personagens da história, mas ela acaba sem saída e é obrigada a tentar resolver o mistério.

Apesar de abordar temas pesados, como assassinatos, prostituição e estupros, Meu Primeiro Assassinato de certa forma é leve. Eu o descreveria como uma mistura de suspense policial com chick-lit (mais conhecida como “literatura de mulherzinha”). Isso porque Maria Kallio alterna a narração entre assuntos ligados ao mundo de seu trabalho e temas femininos corriqueiros. Isso tornou a leitura mais fácil. Terminei o livro em um único dia e não tive pesadelos como quando li Stieg Larsson.

Confesso que não consegui entender muito bem Maria Kallio. Ao mesmo tempo em que ela descreve seu esforço para ser durona em um ambiente tipicamente masculino e ressalta sua compaixão e sentimentalismo, ela diz que não é muito maternal e que também não é boa em confortar os feridos. Talvez seja preciso ler os demais livros da série para traçar um perfil mais coerente da protagonista, pois o primeiro me deixou meio confusa.

Mas no #198livros me interessa mais do que o enredo do livro em si. Gosto dos que me contam um pouco sobre a cultura do país e Meu Primeiro Assassinato conseguiu me mostrar algumas faces da Finlândia. É ótimo ler sobre o país antes de conhecê-lo, mas é também muito legal relembrar uma viagem através das páginas de um livro. Pude revisitar mentalmente alguns lugares de Helsinque e confirmar algumas impressões que tenho dos finlandeses, como sua consciência ambiental. Maria Kallio se assume praticamente uma transgressora ao dizer que já até usou sacolas plásticas no supermercado!

Praça do Senado - Helsinque

O que mais me chamou atenção nem foram as diferenças, mas as semelhanças com o Brasil apontadas no livro. É claro que não dá para traçar o perfil de um país através da visão de um único autor, mas acho que certas mensagens ultrapassam a opinião pessoal. Então me assustei por saber que a impunidade parece ser um problema também na Finlândia e que um estuprador pode sair da prisão pagando uma simples multa, por exemplo. Se tem uma coisa que o #198livros já me mostrou é que a o desrespeito à mulher é um problema universal. Fiquei triste por descobrir que até na Finlândia as vítimas podem ser consideradas culpadas de um estupro pela sociedade!

Mas a gente sabe que a Finlândia oferece uma qualidade de vida muito superior à nossa e que a criminalidade lá é baixa, apesar de ostentar um dos menores índices de efetivos policiais do mundo. No momento em que a violência no Brasil nos deixa cada dia mais assustados, não consigo não reparar nesses detalhes e não fazer comparações ao longo do #198livros. Temos falado muito em impunidade como o grande culpado pelo que acontece no Brasil, mas a reflexão que o livro me proporcionou me fez valorizar ainda mais o papel da educação, que no fim das contas deve ser o grande “segredo” finlandês. O fato é que ainda temos um longo caminho pela frente, tanto na repressão quanto na prevenção da criminalidade, mas bem que poderíamos aprender alguma coisa com os exemplos vindos dos países nórdicos, né?

Meu Primeiro Assassinato foi publicado originalmente em finlandês, em 1993, e no Brasil em 2013, pela Editora Vertigo. A tradução (da versão em inglês) é de Salma Saad.

Mais alguns livros de autores finlandeses:

  • As vacas de Stalin, Sofi Oksanen
  • Expurgo, Sofi Oksanen
  • Pet Shop Girls, Anja Snellman
  • Cast a Long Shadow, Leena Lander

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

24 Comments

  1. Estou louca procurando por mais livros em português dessa autora maravilhosa, porém os únicos que achei foram esse e A mulher de neve. #chateada. Queria tanto me aventuras com a Maria Kallio.

    • Camila Navarro

      Ah, que pena! Tomara que traduzam mais livros dela por aqui pra você aproveitar. =)

  2. Carla Portilho

    ***SPOILERS***

    Na verdade, eu nem sei se tem mesmo spoilers no meu comentário – mas é melhor prevenir…

    Às vezes acho que fico um pouco repetitiva quando digo que os romances policiais muitas vezes são subestimados. Justamente porque são considerados literatura de entretenimento / escapismo, e porque quase sempre usam uma linguagem muito envolvente (o que torna a leitura mais rápida), muitas vezes as pessoas leem sem se preocupar com os temas que são tratados de forma um pouco mais “disfarçada”, por assim dizer…

    Nesse romance, me chamou muito a atenção que estivéssemos tratando de um país tão maravilhoso no inconsciente coletivo da humanidade (como de resto, toda a Escandinávia…) e os temas abordados fossem tráfico de drogas, prostituição, impunidade, alcoolismo na polícia e por aí afora. Seriam esses temas a exceção, uma concessão ao entretenimento? Ou seria uma forma de botar o dedo na ferida e chamar a atenção do público, por meio de um veículo atraente como o romance policial, para assuntos que precisam ser discutidos de forma sistemática?

    Não sei se os nomes dos personagens que vou citar são os mesmos na tradução para o inglês e para o português, porque já descobri que o rapaz assassinado se chamava Tommi em inglês e em português consta como Jukka – não entendi esse mistério! Mas, enfim, fiquei muito intrigada com a forma como Tuulia, por exemplo, opta por se prostituir porque não queria seguir um caminho análogo ao de todos os outros jovens… Ou como o próprio Tommi / Jukka, escolhe o caminho do tráfico de drogas e do aliciamento de mulheres para a prostituição, sendo proveniente de uma família rica…Vejam bem, eu não estranharia ver esses temas tratados em um romance policial brasileiro, porque nós sabemos que isso existe na nossa realidade social. Mas, considerando que estamos falando de um país sempre tão bem colocado em todos os rankings de educação e qualidade de vida, será que não se trata de um indício de que o que pode parecer um paraíso para o olhar de fora na verdade tem os seus graves problemas internos?

    Enfim, são apenas questões que me intrigaram…

    • Carla, pode até ser que em outro momento eu não percebesse esses detalhes, mas no #198livros nosso olhar acaba sendo direcionado e por isso os problemas sociais que são mostrados nos livros policiais escandinavos sempre me surpreendem. Acho que é intencional sim, o dedo na ferida, como você falou. Muitos escritores costumam contestar as versões oficiais, né? Com isso eles de certa forma desconstroem a visão de países perfeitos que o resto do mundo tem deles.

      • Carla Portilho

        Exatamente. Um dos grandes méritos dos romances policiais contemporâneos (não todos, claro, mas os melhores certamente)
        é botar o dedo na ferida e fazer o contrário do que sempre se disse que o romance policial (e toda a literatura de massa, aliás) fazia, que era reafirmar o status quo. No momento em que o romance policial aponta falhas e faz críticas à sociedade como um todo, ele se descola do rótulo de literatura escapista / alienante e leva o leitor a pensar a respeito dos assuntos abordados como faria com outro tipo de romance mais consagrado pela “literatura culta”…

  3. Carla Portilho

    Acho que essa questão da linguagem provavelmente tem a ver apenas com a tradução para o português mesmo… Li a tradução para o inglês (My First Murder, edição Kindle) e lá não vi nenhum uso empolado / artificial da língua… (Como a tradução para o português foi feita a partir do inglês, e não diretamente do finlandês, acredito que tenha sido opção do tradutor mesmo, usar essa linguagem pseudo-sofisticada…)

  4. Carla Portilho

    Meninas, a respeito da construção da personagem, é muito comum que um personagem seja apenas delineado no primeiro volume de uma série policial e só venha a ser mais desenvolvido nos “episódios” seguintes. A construção é um pouco mais lenta, o que dá ao leitor tempo para ir se familiarizando com o personagem aos poucos – e também para que o próprio personagem vá mudando, amadurecendo. É muito interessante seguir a evolução de personagens em séries policiais que se estendem por anos a fio. A própria Agatha Christie tem uma série, dos detetives Tommy and Tuppence, que engloba muitos anos, desde que eles eram bem jovens até se tornarem velhinhos…

    • Foi isso mesmo que eu pensei, Carla, que ao longo da série os leitores conheceriam a protagonista melhor. Quem para no primeiro livro que nem eu é que fica boiando. rsrs

    • Eu também li de uma tacada só! Eu adoro policiais, mas para mim, Maria Kallio não convenceu! Carla, fiquei curiosa com esses detetives, porque li vários livros de Agatha Christie, e não lembro de ter lido nenhum com eles. Li muitos com Hercule Poirot e Miss Marple!

      • Carla Portilho

        Maria Kallio ainda não me convenceu também, Ana, mas quero ler ao menos o segundo romance para ver como a autora desenvolve / aprofunda a personagem, que é o que eu espero que aconteça… Acho interessante ver como ela é apenas uma jovem policial, ainda na casa dos 20 anos, e que certamente tem muito a aprender, tanto na vida profissional quanto na pessoal. O próprio romance sinaliza isso, a empatia dela com Tuulia, os sentimentos contraditórios ao descobrir que ela era a assassina, o interesse mal disfarçado por Antii – existem mil fios condutores possíveis para futuras histórias… Resta ver se serão bem aproveitados!

        Sobre Tommy and Tuppence, o primeiro romance em que eles aparecem é The Secret Adversary, quando eles têm cerca de 20 anos, e o último é Postern of Fate, quando já têm mais de 70. Se não me engano, eles são os únicos detetives da Agatha Christie que realmente sentem o tempo passar…

  5. Wanessa Lima

    Esse foi o primeiro livro que li ao retomar o projeto. Fiquei interessada por estar disponível para kindle e, sendo um romance policial, e ainda por cima nórdico, achei que iria gostar, mas confesso que acabei meio decepcionada…
    Além desse aspecto da construção da personagem que você mencionou, Camila, achei a linguagem desagradável. Não sei se foi culpa da tradução, mas o que percebi foi uma tentativa de dar ao texto uma cara “jurídica”, só que a estratégia foi usar o que de pior existe nos textos jurídicos de hoje em dia (na minha opinião, claro!): um excesso de termos usados com a intenção de tornar o texto mais sofisticado, mas que só o deixa mais feio e empolado. Por exemplo: ao invés de “tem”, usa-se “possui”, ao invés de “está”, diz-se “encontra-se”, e por aí vai. Luto contra isso diariamente no meu trabalho e encontrar essa linguagem em um romance me incomodou um bocado.
    Apesar disso, o livro dá uma boa idéia do tipo de vida que as pessoas levam na Finlândia.

    • Imagino que sua experiência na área tenha te possibilitado enxergar melhor essa questão da linguagem. Eu confesso que nem reparei e fiquei curiosa para reler alguns trechos para reparar nisso.

      Eu não sou uma grande fã de romances policiais e essa questão da literatura escandinava está sendo uma espécia de desafio, pois é isso o que a gente encontra de lá, né? Por isso gosto quando o livro me mostra um pouco mais, principalmente essa questão cultural que a gente busca. Nesse ponto achei o livro finlandês melhor do que o norueguês.

      • Wanessa Lima

        Eu não era fã dos romances policiais até descobrir os nórdicos! Aí, comecei a gostar.
        Depois vou procurar umas passagens que falam da linguagem que não me agrada. Certamente, eu sou mais “sensível” a ela, já que me incomoda tanto!

  6. Lucimara Busch

    Gostei do livro Camila! Mas a melhor parte foi a curiosidade que surgiu por Helsinque. Nessas horas a gente descobre um nível significativo de ignorância. Lendo sobre a Finlândia, meu coração ficou apertado quando descobri que a educação lá é de dar gosto! Senti por não poder morar num lugar assim…

    • Lucimara, toda vez que sair algum ranking de bons indicadores, a Finlândia estará entre os primeiros da lista. Se forem ruins, ela estará entre os últimos. rsrs Eu gostei ainda mais da Suécia, mas o fato de eu ter conhecido o país na companhia de amigos suecos com certeza influenciou minha percepção.

  7. Peguei a Finlândia pra ser o segundo livro. Lembrava de ter visto em algum lugar esse que a Mari sugeriu/te deu. Sabia que era policial, gênero que gosto, então nem pensei duas vezes.
    Eu gostei sim e como vc disse que é uma série, to até pensando em ler outros. Achei que teve um pouco de exagero, juntando muitos fatores pra ter o assassinato, mas enfim…
    O que curti mesmo foi esse lance viagens + leitura. Já fui pra Helsinque, mas meio de má vontade (trabalho), nem pesquisei nada, nem sabia nome de lugar nenhum que fui, não lembrava de quase nada.
    Li no app do kindle no ipad e em cada (cada é exagero) nome de lugar, parque, igreja, bairro, estação clicava e via onde era no Google Maps e foto na busca de imagens do Google. Me diverti. E lembrava de muita coisa, mesmo sem saber os nomes.
    Aí veio uma curiosidade, o kindle tem acesso a internet? Da pra fazer o mesmo tipo de brincadeira?

    • Carla, pra mim essa foi a parte mais legal do livro também! Quando é um país que conheço, é como revisitá-lo, mas quando não é vem a curiosidade. Lá vou eu pra Bulgária nas próximas férias, né? rsrs

      O kindle comum tem um acesso à internet bem restrito, tipo ver email, tuitar alguma coisa. Acho que o kindle fire é que se parece mais com um tablet e deve ter essas funções.

  8. Lu Malheiros

    Camila,
    Li o livro de uma tacada só também e gostei. Concordo que a construção da Maria Kallio deixou um pouco a desejar, mesmo assim gostei da estória e comprei o 2o livro da série na versão kindle.
    Claro que deu vontade de conhecer Helsinque, mas isso acontece quase sempre nesse projeto, né?

    • Por isso que eu digo que esse projeto vai me falir! Os livros são até baratos, mas o que fazer com a vontade de viajar que eles causam? Tanto que lá vou eu pra Bulgária! rsrs

  9. Lucimara Busch

    Camila, esse livro eu tenho e tá na fila da leitura! Concordo com você quando diz que poderíamos aprender algo com esse países. Mas é tão triste saber que isso não acontece né? Eu ainda não tive a oportunidade de conhecer esses lugares. Por enquanto, só através dos livros mesmo, mas já me sinto feliz por poder descobrir essas coisas! Bjs

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