A vida em Mamirauá

A vida em MamirauáUm dos passeios mais interessantes que fizemos na Reserva Mamirauá foi a visita a uma comunidade local. Cada grupo de turistas pode acabar conhecendo uma comunidade diferente, pois eles fazem uma espécie de rodízio para que todas sejam beneficiadas. Nenhuma delas é muito grande e as pessoas que trabalham na Pousada Uacari vêm de diversas áreas da reserva. Nós visitamos Vila Alencar, onde vivem cerca de 30 famílias.

A primeira coisa que nos impressionou ao chegar lá foi ver que o homem consegue se adaptar a ambientes que podem nos parecer impossíveis. Onde já se viu viver sobre as águas, dependendo de um barco para ir de um lugar a outro? As crianças já não podem jogar futebol no campo, a agricultura fica inviável, muitos animais ficam confinados, mas a vida segue quase normal em Mamirauá durante a cheia.

Campo de futebol em Vila Alencar

Vila Alencar - Mamirauá

Quem nos guiou por Vila Alencar foi Dona Benta, uma das líderes comunitárias e antiga moradora da vila. Seu jeitinho manso de falar não escondia sua força. Seus pais vieram do Pará quando a borracha estava no auge na Amazônia e eles acabaram ficando por ali. Ela criou muitos filhos, alguns dos quais permanecem em Mamirauá batalhando para melhorar a comunidade. Ela também ajudou muitas crianças a chegarem ao mundo, mas diz que hoje as mulheres não querem ter filhos. Quando têm é só um ou dois, então a profissão de parteira tem ficado para trás. É, a vida na floresta não é tão diferente assim da vida nas cidades.

Dona Benta - Líder Comunitária de Vila Alencar

Os benefícios trazidos pela criação da Reserva Mamirauá e pelos recursos provenientes do turismo são visíveis. O sistema de abastecimento de água é um exemplo disso. A gente vê esse tanto de água e imagina que isso não seja um problema, mas obter água potável não é assim tão fácil. Na seca o rio corre a muitos metros da vila e era preciso andar um bocado para levar água para casa. Agora ela chega até lá! O bombeamento é feito através de um sistema de energia solar. As placas são instaladas em painéis sobre uma base flutuante e a água é tratada antes de chegar às casas. O projeto, executado em diversas comunidades ribeirinhas da região, faz parte do Programa Qualidade de Vida do Instituto Mamirauá. Na cheia o sistema fica prejudicado, mas então a água da chuva é captada para abastecer as casas.

Vila Alencar - Mamiraúa

Outra melhoria recente é a casa novinha que abriga a escola de Vila Alencar. Isso sem falar no centro comunitário e na reforma do barco da comunidade, frutos dos recursos arrecadados através do turismo em Mamirauá. É muito bom ver que o turismo pode trazer benefícios importantes e consistentes sem causar impactos negativos na vida das pessoas e na natureza!

Escola de Vila Alencar - Mamiraúa

A energia da vila é obtida através de um gerador a diesel. Ele só funciona à noite, sendo desligado após a novela ou um pouco mais tarde em dia de jogo. Com ou sem 7×1, o futebol continua sendo a paixão nacional. ;-)

Usina a diesel de Vila Alencar - Mamiraúa

Vila Alencar - Mamiraúa

E o que é que o povo come quando não é possível plantar nada em terra firme? Com certeza a dependência de alimentos vindos da cidade aumenta. Na cheia a comida que não pode ser pescada tem que vir de fora ou tem que estar estocada. Por isso a mandioca desempenha um papel importante na vida das comunidades ribeirinhas. A sua principal vantagem é que ela pode ser consumida o ano todo quando transformada em farinha, sempre presente no prato dos moradores de Mamirauá. A farinha de mandioca que eles comem por lá é um pouco diferente da que eu conhecia. É uma espécie de tapioca, umas bolinhas duras que precisam ser umedecidas na comida para amolecer. Até o açaí é consumido com essa tapioca! Em Vila Alencar nós vimos como a farinha é fabricada.

Produção de farinha de mandioca

Produção de farinha de mandioca

Os animais domésticos também precisam se adaptar ao período da cheia. Deu muita dó ver o gado assim, num espaço tão pequeno! Para os ribeirinhos ele é uma espécie de poupança. Quando eles conseguem juntar um dinheirinho eles vão lá e compram um boi. E esse animal geralmente nem é para consumo, é mais uma garantia mesmo. Na cheia os animais comem um espécie de grama flutuante, mas eles não gostam da que cresce perto das casas, então os moradores precisam buscar a grama um pouquinho longe. Mas diz a Dona Benta que as cheias têm sido mais longas e que dá muito trabalho manter os animais confinados e arrumar comida para alimentá-los, então as pessoas estão deixando de investir neles.

Gado suspenso na cheia de Mamirauá

Gado e cachorro suspensos na cheia de Mamirauá

O turismo em Mamirauá ajuda as comunidades também através da venda de artesanato produzido pelas mulheres de lá. Além de vender algumas peças no escritório da Pousada Uacari em Tefé, onde existe uma lojinha, cada comunidade expõe seus trabalhos para os turistas que as visitam. Tem muito trabalho com sementes, madeira e até dentes de jacaré e escamas de peixes. Os preços não são nada abusivos. Então lembre-se de levar dinheiro nesse passeio, de preferência em notas miúdas.

Artesanato de Mamirauá

Mesmo a Dona Benta tendo nos falado que as mulheres não querem mais ter filhos, nós vimos muitas crianças por lá. A maioria estava na escola, mas algumas estavam em casa, só observando os turistas deslumbrados que passavam em frente às suas casas. E enquanto a gente mal colocava a mão na água com medo dos jacarés, meninas nadavam por ali como se estivessem em uma piscina. Mas algumas mães se preocupam. Nos disseram que os jacarés não costumam ficar entre as casas, mas há sempre o risco de aparecer uma cobra ou outro animal perigoso. Eu é que não me arriscaria a nadar nessas águas!

Crianças em Mamirauá

Crianças em Mamirauá

Crianças em Mamirauá

Mas o que mais me marcou no passeio à Vila Alencar e também nos meus dias na Reserva Mamirauá foi a chance de conhecer a Dona Benta, essa senhora alegre que na frente da câmera ficava séria e escondia o sorriso. Seu exemplo de força será para sempre uma linda memória para mim. Quando eu voltar a Mamirauá faço questão de ir te visitar, Dona Benta!

Dona Benta - Líder Comunitária de Vila Alencar

Veja todos os posts sobre a minha viagem ao Amazonas.

2 Comments

  1. Oi, Camila! Também estive em Mamirauá, mas num período mais seco (fui agora no final de agosto). Que beleza de lugar, não? Eu me apaixonei perdidamente. Conheci a Comunidade Caburini e também achei uma das experiências mais bacanas por lá.
    Parabéns pelo relato.
    Abraços,
    Ana

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