198 Livros: Senegal – So Long a Letter

198 Livros - Senegal Confesso que quando chegou o pacotinho mirrado em minhas mãos, eu não botei muita fé. Apesar de saber que não se deve julgar um livro pelo tamanho, pensei que aquele exemplar tão fininho provavelmente não me contaria muita coisa. Como é bom a gente se enganar de vez em quando, né? Ele me ensinou muito mais do que eu imaginava! A escritora de Senegal Mariama Bâ foi criada na fé islâmica, mas desde nova começou a criticar a sociedade em que vivia. Inconformada com a desigualdade entre os gêneros, ela lutou pelos direitos das mulheres africanas. So Long a Letter faz parte dessa luta. Infelizmente, ela morreu aos 52 anos, pouco tempo depois da publicação do livro e antes do lançamento de seu segundo romance. Com certeza ela teria deixado um legado ainda mais rico se tivesse vivido mais tempo. So Long a Letter - Mariama Bâ

So Long a Letter narra a história de Ramatoulaye através de uma carta que ela escreve à sua melhor amiga, Aissatou, que vive nos Estados Unidos. Nessa carta Ramatoulaye conta como se sente com a morte recente do marido e relembra a vida das duas. O destino de ambas é marcado pelo mesmo fato: a poligamia. Aissatou vivia um casamento feliz quando seu marido tomou uma segunda esposa, por pressão da mãe. Ela não aceita compartilhar o marido com outra mulher e sai de casa com os quatro filhos disposta a começar uma nova vida. Ao contrário de todas as expectativas, ela obtém sucesso. Ramatoulaye não teve a mesma chance ou coragem da amiga. Depois de 25 anos de casamento e com 12 filhos, seu marido Modou também se casa novamente. Binetou, a nova esposa, é quase uma criança, amiga da filha deles. Modou faz de tudo para se casar com ela e quando consegue abandona sua antiga família.

O que So Long a Letter me mostrou é que a poligamia não é tão simples como pode parecer. Tradição e cultura nem sempre são suficientes para justificar certos atos. Mesmo onde a poligamia é comum, será que ela é natural? Como fica a relação do marido com a primeira esposa e com os filhos quando ele decide se casar novamente? E como as mulheres encaram essa situação? O livro me esclareceu muitas coisas. Mariama Bâ é conhecida por ser a primeira senegalesa a mostrar ao mundo a condição desigual a que é submetida a mulher africana em muitos países.

“You think the problem of polygamy is a simple one. Those who are involved in it know the constraints, the lies, the injustices that weigh down their consciences in return for the ephemerals joys of change.”

A desigualdade descrita no livro vai além da poligamia e mostra que na sociedade retratada as mulheres ao se casarem viram propriedade do marido. Binetou, por exemplo, queria continuar estudando, mas Modou quer afastá-la do mundo dos jovens e a retira da escola. A garota não tem opção, sendo obrigada a se casar por imposição dos pais, que veem em Modou uma chance de ascensão social. Ela sai do jugo dos pais para se submeter ao marido. Triste destino!

Mudando um pouco de assunto, várias passagens de livros africanos têm me chamado atenção por mencionarem o rito tradicional de lavagem dos mortos. É claro que eu sempre penso no surto de Ebola quando chego nesses trechos!

“Women, close relatives, are busy. They must take incense, eau-de-cologne, cotton-wool to the hospital for the washing of the dead one.”

O pós-colonialismo e a transição do país após a independência também são brevemente abordados. Senegal só ficou independente da França em 1960. Ramatoulaye relembra a euforia desse período e diz que sua geração tem o privilégio de ser a ligação entre dois períodos da história do país: um de dominação e outro de independência. É uma pena que So Long a Letter não tenha sido publicado no Brasil. Apesar de escrito há mais de 30 anos, o livro continua super atual e retrata a situação de muitas mulheres pelo mundo de forma brilhante. Resumindo, é um livro pequenininho, mas poderoso!

Atualização: Em Julho de 2023, o livro enfim foi publicado no Brasil! Ele saiu com o título Uma carta tão longa, pela Editora Jandaíra, com a tradução de Marina Bueno de Carvalho.

So Long a Letter foi publicado originalmente em francês, em 1980, e em inglês em 1981, pela editora Heinemann na série African Writers Series. A tradução é de Modupé Bodé-Thomas.

Mais alguns livros de autores do Senegal:

  • A vida em espiral, Abasse Ndione
  • The Abandoned Baobab, Ken Bugul
  • Ambiguous Adventure, Cheikh Hamidou Kane

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

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