198 Livros: Coreia do Norte – The Aquariums of Pyongyang

198 Livros - Coreia do Norte Eu estava bem ansiosa para ler a Coreia do Norte, afinal, estamos falando de um dos países mais fechados e polêmicos do mundo. É difícil saber o que pensa um cidadão norte-coreano, já que ele não tem acesso aos meios de comunicação como nós temos e não pode ficar xingando os políticos no twitter como a gente faz. É claro que um único livro, que seria a opinião de uma única pessoa, não poderia me dar todas as versões possíveis dessa história. Eu não conseguiria ter ao mesmo tempo a visão de quem é a favor e de quem é contra o governo, de quem está satisfeito e de quem quer fugir de lá, mas até que o livro escolhido (The Aquariums of Pyongyang, de Kang Chol-Hwan e Pierre Rigoulot) conseguiu me mostrar um pouco dos dois mundos.

The Aquariums of Pyongyang é o relato auto-biográfico de Kang Chol-Hwan, um dissidente norte-coreano que hoje vive na Coreia do Sul. Seus avós viviam no Japão, mas retornaram à Coreia do Norte quando Kim Il-sung chegou ao poder. Sua avó era a que mais acreditava nos ideais comunistas. Ela queria ajudar a construir o país com o qual sonhava e acabou convencendo o marido a apoiá-la. Eles doaram sua fortuna ao Partido dos Trabalhadores e passaram a trabalhar para o governo. Os filhos – pai e tios de Kang Chol-Hwan – já eram adolescentes e queriam voltar ao Japão, sentiam falta da vida e da liberdade que tinham lá, mas sabiam que não poderiam. A decisão de voltar à Coreia se mostrou irreversível. The Aquariums of Pyongyang - Kang Chol-Hwan

Os pais de Kang Chol-Hwan se conheceram através de um casamento arranjado, que ele diz ser uma prática comum nas Coreias ainda hoje, ou pelo menos na época em que o livro foi publicado. Ele nasceu em Pyongyanvg e lá viveu uma infância feliz até os 9 anos. Ele sentia que crescia sob a proteção de Kim Il-sung, o “Grande Líder”, e de seu filho Kim Jong-Il, o “Querido Líder”. O culto à personalidade promovido por Kim Il-sung funcionava (funciona?) bem, principalmente com as crianças. Sem nunca ter vivido uma vida diferente, ele não tinha do que reclamar, mas um dia tudo foi virado de cabeça para baixo.

O avô de Kang Chol-Hwan se submeteu às ideias da esposa, mas nunca pensou como ela e acabou pagando por isso. Um dia, em 1977, ele simplesmente desapareceu. Logo em seguida o restante  da família foi enviado para o campo de concentração de Yodok. Quer dizer, quase toda, pois a mãe de Kang Chol-Hwan, por causa de suas conexões familiares, foi poupada. Eles não sabiam nem qual era o motivo da punição, mas ouviam que aquilo estava sendo feito para o bem deles. Nos campos de concentração as pessoas seriam educadas através de estudo e trabalho para que fossem reinseridas na sociedade, mas não foi isso que aconteceu. Através de fome, maus-tratos, trabalhos forçados, humilhações e violência psicológica, os campos transformavam até mesmo os apoiadores do governo em opositores. Kang Chol-Hwan entrou lá como uma criança que idolatrava Kim Il-sung e 10 anos depois saiu como um adulto que o odiava.

Kang Chol-Hwan diz que os norte-coreanos sabem da existência dos inúmeros campos espalhados pelo país, mas não imaginam a quantidade de pessoas que é mantida neles e nem o que elas sofrem lá dentro. Submetidos a uma doutrina alienante, muitos acham que os condenados provavelmente mereceram o castigo que receberam. Ele ainda acusa a Coreia do Sul de fechar os olhos ao que acontece em seu vizinho para não perturbar a paz entre os dois países.

O relato da vida em Yodok é revoltante e é ainda mais triste saber que ele não é o único campo de concentração que já existiu na Coreia do Norte e que eles existem até hoje. Fora deles os cidadãos norte-coreanos continuam vivendo sob constante vigilância. É revoltante também pensar no absurdo que fizeram em 1948 ao dividir o país, quando tudo isso começou. Famílias e amigos foram separados, vínculos foram quebrados, tudo sem levar em conta que de ambos os lados da fronteira existiam coreanos, um só povo. Como sempre, as pessoas comuns se tornam meros marionetes nas mãos dos que querem poder.

Como muitos relatos de pessoas que viveram uma tragédia, The Aquariums of Pyongyang também tem seus momentos  de sentimentalismo, mas não achei que eles chegaram a prejudicar a leitura. Além de mostrar a realidade dos campos de concentração norte-coreanos, achei que foi um livro legal também para conhecer um pouco a vida na Coreia antes da separação e para descobrir alguns detalhes da cultura local que eu desconhecia. O livro ainda nos conta vários fatos históricos que nos ajudam a entender o que aconteceu na região no último século. Indico para todos que têm interesse na situação da Coreia do Norte.

The Aquariums of Pyongyang foi publicado originalmente em 2000, em francês, e em inglês em 2001, pela Editora Basic Books. A tradução é de Yair Reiner.

Mais alguns livros de escritores da Coreia do Norte:

  • Dear Leader – Jang Jin-sung
  • My Life and Faith – Ri In Mo

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

2 Comments

  1. Desbravando Madrid

    Oi Camila!
    Finalmente tive tempo para vir comentar os livros que já li (vou andando devagar, devagarinho).
    Até agora, este foi um dos que mais gostei! Como tu, também tinha a curiosidade de saber como é realmente a vida na Coreia do Norte e principalmente nos campos de concentração que ainda existem por lá.
    Aconselho o livro, acho que se lê facilmente, não chega a ser chato!

    Beijo
    Susana

    • Susana, confesso que em alguns momentos achei meio chato sim (principalmente os sentimentalismos que mencionei), mas no geral gostei do livro. Acho que nem todos gostariam, mas para quem tem interesses em conhecer melhor a história e a situação da Coreia do Norte é uma ótima opção!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.