198 Livros: Turcomenistão – The Tale of Aypi

198 Livros - TurcomenistãoO Turcomenistão foi sorteado há mais de um ano, mas quando vi esse nome gigante terminado em ão eu já imaginei que seria um dos países difíceis. E eu estava certa. Mais uma vez não encontrei nenhum livro em português e nesse caso nem mesmo em inglês, físico ou virtual. Quando fico perdida assim corro para ver a saída que a Ann Morgan encontrou. O que descobri não foi muito animador: ela tinha lido The Tale of Aypi, do autor turcomeno Ak Welsapar, mas na época o livro ainda estava esperando uma editora para ser publicado em inglês e minhas pesquisas mostraram que a situação não tinha mudado. Encontrei o e-mail do autor na internet, me muni de muita cara de pau e entrei em contato perguntando a respeito da publicação do livro. Ak Welsapar foi super simpático e me respondeu que isso deveria acontecer em 2015 e que então ele poderia me mandar uma cópia do livro, bastava que eu o lembrasse disso. Agradeci e disse que esperaria, mas para minha surpresa alguns meses depois ele mesmo entrou em contato dizendo que poderia me enviar a versão eletrônica do livro. E foi assim que The Tale of Aypi parou em minhas mãos antes de ser publicado.

The Tale of Aypi se passa numa pequena vila de pescadores à beira do Mar Cáspio. Há 300 anos lá viveu Aypi, uma mulher de beleza descomunal. Ela estava um dia na praia quando homens de terra desconhecidas aportaram. Não sendo nada tímida, ela conversou com eles e respondeu às suas perguntas, contando como viviam os moradores do vilarejo e desvendando seus segredos. Como agradecimento ela recebeu da mão deles um colar de rubi que colocou no pescoço na mesma hora. O colar foi sua perdição, pois quando os moradores da vila souberam o que tinha acontecido não a perdoaram, ou melhor, foi quando arrumaram uma desculpa para afastar dos olhos aquela beleza que os enlouquecia.

“You’ll bring calamity down on us all! Draw a disaster! ‘Round your neck the outsiders didn’t hang that cursed necklace for nothing, no, they wouldn’t have! May your nipples crack, yes crack! You come back here and you’ve betrayed all we’ve got, you mug of mugs, hmmph… you told everything, there’ll be no plenty on these shores no more, you’ve snowed a blizzard on our happiness, a blizzard!”

O próprio marido de Aypi cumpriu a vontade do grupo e a jogou no mar. Foi o peso do colar de rubi que fez com que ela afundasse na hora. Sua história se transformou em lenda e desde então os moradores da vila passaram a temer o dia em que a profecia se cumpriria e os estrangeiros voltariam para acabar com a paz deles. 300 anos depois a profecia parece ter se cumprido. Um grupo de cientistas visitou a área e descobriu que aquela parte da costa era uma maravilha natural, o lugar ideal para a construção de um hospital para doenças respiratórias. Ali pessoas desenganadas poderiam recuperar a saúde.

O processo ficou indo e vindo por muitos anos, mas agora é definitivo: os moradores estão sendo obrigados a sair de lá para dar lugar ao hospital. A pesca foi proibida e eles terão que encontrar novas atividades na cidade, onde há apartamentos esperando por eles. As pessoas tentam ver o lado bom da mudança: os filhos já estão vivendo na cidade e assim as tradições de seus ancestrais estão se perdendo. Seria melhor que eles fossem logo para lá, para ficar perto de seus netos e dar a eles a chance de aprenderem com os mais velhos. Todos já cederam, exceto Araz, o único que desafia as regras e continua saindo para pescar todos os dias. Ele se recusa a abandonar a vila em que nasceu e as tradições perpetuadas por várias gerações de sua família.

“How could I let myself be forced out from here? My father, and my father’s father too, lie mixed with that sand, as do my grandfather, and his grandfather as well – all seven generations of my ancestors! Where would I go if I left them? This place here is my coast, my land, my waters! If the earth itself moved, I would still stay!”

O governo faz de tudo para forçar os moradores do vilarejo a abrirem espaço para o empreendimento e a vila começa a ser privada de serviços básicos, como transporte e correio. Até a comida para de chegar. Em meio a esses conflitos, Aypi ressurge das profundezas do mar. Ela está determinada a se vingar dos homens por terem acabado com sua vida simplesmente por não suportarem sua beleza. E se revela uma verdadeira feminista, muito à frente da época em que viveu. A história tem esse toque de fantasia, mas é muito real ao mostrar a situação desse vilarejo que parece deslocado no espaço e no tempo e cujos habitantes de repente são obrigados a enfrentar o mundo moderno. Ak Welsapar retrata brilhantemente o eterno conflito entre novo e antigo, tradição e modernidade, dinheiro e simplicidade. A aparição de Aypi cria uma conversa interessante entre passado e presente e deixa a leitura mais divertida. É uma narrativa profunda e triste, mas muita bonita.

A previsão da publicação de The Tale of Aypi era janeiro de 2015, mas até hoje ele não foi publicado. Espero que isso aconteça em breve! Ak Welsapar vive na Suécia há mais de 20 anos, desde que foi censurado e declarado inimigo do povo no seu país de origem por fazer críticas ao governo. Ele disse estar interessado na publicação do livro em português, então, tradutores e editoras, fiquem de olho!

ATUALIZAÇÃO: Agora, em novembro de 2016, descobri que The Tale of Aypi enfim foi publicado em inglês e já está disponível em versão digital na Amazon. Fiquei muito feliz com a notícia!

The Tale of Aypi foi publicado originalmente em turcomeno. O livro foi publicado em inglês em 2016 pela Glagoslav Publications. A tradução é de W.M. Coulson.

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

8 Comments

  1. Karina Oliveira

    Camila, estou participando de uma simulação da ONU e fiquei como a representante do Turcomenistão, você poderia me dizer onde eu consigo esse livro ou algum outro que possa me ajudar traçar o perfil cultural dessa país? Desde já, muito obrigada!

    • Karina, o único autor que descobri foi mesmo o Ak Welsapar. Infelizmente “The Tale of Aypi” não foi publicado até hoje… Você se interessou a ler esse livro?

  2. Carla Portilho

    Ora, ora, eu não sabia que ele está interessado em publicar o livro em português, não… Posso até me oferecer para traduzir, rsrsrs…

    • Carla, são tantos livros bacanas na VAM que a gente só acha em inglês que eu fico morrendo de vontade de traduzir/publicar vários. The Tale of Aypi pode ser o começo dessa empreitada. ;-)

  3. Carla Portilho

    Puxa, estou tão acostumada a ler os romances sempre muito depois de vocês e vir correndo ao Viaggiando escrever os meus spoilers que acabei fazendo a bobagem de não tomar notas enquanto lia The Tale of Aypi…

    Camila, gostei bastante da sua resenha – é bem isso mesmo, esse embate entre o antigo e o novo, a tradição e a modernidade… E acho que ele tocou em um assunto muito sensível ao falar da “necessidade” de desalojar essa comunidade para construir um hospital. Afinal, quem define o que é prioridade? Por que seria válido desenraizar os habitantes da vila para beneficiar quem viria de fora?

    • Fico pensando no tanto de casos assim que acontecem ainda hoje, de pessoas sendo retiradas de seus lugares por causa da modernização. Nem precisamos ir muito longe, podemo pensar em Belo Monte, algo recente aqui no Brasil mesmo. É muito triste ver o povo tendo que deixar para trás sua terra, sua história, seus costumes… O livro conseguiu retratar essa situação muito bem!

  4. Lu Malheiros

    Camila, muito legal essas histórias dos bastidores da VAm dos livros :-) Adoro! E não achei o livro ruim não!

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