198 Livros: Guiné – O Menino Negro

198 Livros - GuinéDessa vez não precisei nem escolher, pois  quando se procura um livro da Guiné o nome de um escritor se destaca: Camara Laye. Felizmente O Menino Negro, sua obra mais emblemática, já foi publicada no Brasil. O livro é considerado um marco na literatura africana contemporânea, o primeiro a simplesmente revisitar a memória da infância do escritor em vez de atacar a colonização. Para entender o que isso significa, é preciso saber que o livro foi publicado em 1953 e que a Guiné só se tornou independente da França em 1958.

O Menino Negro é uma obra autobiográfica. Camara Laye nasceu em Kouroussa, no interior da Guiné, então Guiné Francesa, e aos 15 anos foi estudar na capital, Conacri. As boas notas lhe renderam uma bolsa de estudos de Engenharia Mecânica em Paris e foi lá, longe de casa, que ele escreveu seu livro mais famoso. A saudade de casa e as diferenças culturais provavelmente foram o combustível que o fez lembrar e valorizar as tradições do local em que cresceu. O livro foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras com o selo Seguinte, voltado para o público jovem, mas eu acho que leitores de qualquer idade podem aprender muito com esse livro, basta ter a curiosidade de conhecer vivências diferentes da nossa.

O Menino Negro – Camara Laye

A infância de Laye foi parecida com a de qualquer criança, cheia de brincadeiras e cercada de cuidados maternais, mas o tempo e o ambiente eram outros. Nada de tecnologias, o que chamava atenção do menino e deixava sua mãe irada eram as cobras no quintal de casa. Essa mãe é lembrada pelo filho com muito amor e respeito. A admiração dele fica evidente já na linda dedicatória do livro e é reforçada ao longo das páginas em que ele descreve os costumes da Alta Guiné. Pra mim foi difícil conciliar as impressões dele com a tradição muçulmana e com cultura da poligamia, mas, como ele diz, a África é diversa. E com certeza é complexa.

“Sei que essa autoridade que minha mãe demonstrava pode parecer surpreendente; via de regra imagina-se que é ridículo o papel da mulher africana, e na verdade há regiões em que ele é insignificante, mas a África é grande, tão diversa quanto grande. Na nossa terra, o costume tem a ver com uma independência profunda, com um orgulho inato; só se submete quem se deixa submeter, e as mulheres se deixam submeter muito pouco. Meu pai, por sua vez, não pensava em submeter pessoa alguma, principalmente minha mãe; ele tinha grande respeito por ela, todos tínhamos grande respeito por ela.”

Os capítulos que descrevem rituais de iniciação pelos quais ele passou na juventude são marcantes. Dentre eles está a circuncisão coletiva que marca a transição da criança para o homem. O processo que dura quatro semanas, a festa antes e depois, a hemorragia após a operação, os medos, tudo é descrito em detalhes.

A mudança para Conacri traz uma mudança brusca de cenário. Laye vai morar com o tio em uma casa europeia, passa a dormir numa cama macia, mas na cidade era tudo estranho para ele. Seiscentos quilômetros o separavam de Kouroussa. Ele não conseguia nem mesmo se comunicar: enquanto ele falava malinqué, as pessoas ao seu redor falavam sosso. Isso nos mostra que não há uma única África como muita gente imagina. Não há nem mesmo uma única Guiné.

O Menino Negro foi publicado originalmente em francês, em 1953, e no Brasil em 2013, pela Companhia das Letras (Selo Seguinte). A tradução é de Rosa Freire d’Aguiar.

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