198 Livros: Arábia Saudita – Girls of Riyadh

198 Livros - Arábia Saudita

Na hora de conhecer a literatura de um país controverso eu só poderia escolher uma obra também controversa. Girls of Riyadh, da escritora Rajaa Alsanea, preenche muitos requisitos. Publicado no Líbano para fugir à censura na Arábia Saudita, ele logo começou a circular em cópias clandestinas e virou um fenômeno literário. Foi traduzido para dezenas de idiomas, com direito a polêmicas referentes à tradução para o inglês, e rendeu ameaças de morte à autora, que na época tinha apenas 24 anos.

Girls of Riyadh é um romance epistolar moderno, contado por uma narradora anônima através de emails que envia semanalmente a um grupo de leitores curiosos ao qual nos juntamos. Lá ela narra a vida de quatro amigas da classe média alta de Riad, a capital da Arábia Saudita. Talvez a narradora seja um delas, talvez uma quinta amiga, não sabemos. E não sabemos também o quão reais são essas personagens e também por isso o livro causou tanto furor no país.

As quatro amigas são Gamrah, Sadeem, Michelle e Lamees. Elas têm 20 e poucos anos e são bem diferentes umas das outras, umas mais conservadoras, outras mais rebeldes, mas com muitas preocupações em comum. Ao mesmo tempo em que nos confirma os estereótipos de um país conservador, machista e patriarcal, o livro nos mostra também que as mulheres sauditas nem sempre correspondem à figura de submissão que nós imaginamos. Como a autora diz na introdução do livro para a versão em inglês:

“I hope that by the time you finish this book, you will say to yourself: Oh, yes. It is a very conservative Islamic society. The women there do live under male dominance. But they are full of hopes and plans and determination and dreams. And they fall deeply in and out of love just like women anywhere else. And I hope you will see, too, that little by little some of these women are beginning to carve out their own way – not the Western way, but one that keeps what is good about the values of their religion and culture, while allowing for reform.”

Girls of Riyadh - Rajaa Alsanea

O conteúdo dos emails gira muito em torno dos relacionamentos amorosos das garotas e esse assunto não é novidade, mas se estamos falando de uma sociedade conservadora como a saudita, tratar disso tão abertamente já pode ser transgressor. Talvez seja difícil para um leitor brasileiro entender uma realidade em que homens e mulheres praticamente não convivem no mesmo ambiente e na qual você pode ter visto seu futuro marido apenas uma vez antes de se casar. Um contexto em que o tradicional presente de noivado, pelo menos nas classes mais abastadas, é um telefone celular. Já que o contato físico não é permitido, é pelo celular que os noivos podem se conhecer melhor.

Girls of Riyadh foi publicado em 2005. Os emails que compõem os capítulos datam de fevereiro de 2004 a fevereiro do ano seguinte. De lá pra cá, muita coisa mudou no mundo e acredito que também na Arábia Saudita. Como serão os contatos entre os namorados agora, com a internet cada vez mais disseminada? Até 2018 as mulheres sauditas eram proibidas de dirigir e algumas se vestiam de homem para sair de carro, como as amigas fazem em um episódio do livro. A história que Rajaa Alsanea nos contou provavelmente não seria a mesma hoje. Talvez as mudanças não sejam tantas quanto gostaríamos, mas é bom saber que nos últimos anos as mulheres sauditas conquistaram mais direitos.

Precisamos considerar também a classe social retratada no livro. Provavelmente Gamrah, Sadeem, Michelle e Lamees têm muito mais liberdades e possibilidades de escapar ilesas da sociedade opressora em que vivem do que mulheres mais pobres. Mas isso não acontece só na Arábia Saudita, não é mesmo?

Algumas questões importantes, como perseguição a minorias étnicas e religiosas ou homossexualidade, até são abordadas, mas muito superficialmente, apenas pequenas notas ao longo da narrativa. No fim das contas Girls of Riyadh não traz nenhum grande escândalo. Quem se espanta ao saber que sexo antes do casamento ocorre mesmo quando a religião, que nesse caso se confunde com o Estado, o proíbe? A censura ao livro na Arábia Saudita inclusive durou pouco tempo.

O livro costuma ser chamado de a versão saudita de Sex and the City, mas eu confesso que ele me lembrou mais do seriado Gossip Girl, pela forma com que é narrado. Eu achei a leitura muito divertida e fluida. Eu gostaria de ler mais obras da autora, mas infelizmente ela não publicou mais nenhum livro, pelo menos até agora. Passados 15 anos da publicação original, eu gostaria de saber como as mulheres sauditas continuam fazendo para driblar as leis e convenções sociais para criar um novo destino. Não o nosso, não o modelo ocidental, como Rajaa Alsanea bem diz na introdução do livro, mas aquele que melhor combina a tradição que elas valorizam com a modernidade.

Girls of Riyadh foi publicado originalmente em árabe (no Líbano), em 2005, e em inglês em 2007, pela Penguin Books. A tradução é de Marilyn Booth e da própria autora. Ele foi publicado no Brasil pela Nova Fronteira em 2007 sob o título Vida Dupla, com a tradução de Regina Lyra.

Mais alguns livros de escritores sauditas:

  • Throwing Sparks, Abdo Khal
  • The Doves’ Necklace, Raja Alem

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.