198 Livros: Letônia – Soviet Milk

198 Livros - LetôniaQuando eu estive nos Países Bálticos, em 2011, a história da região me fascinou. Em resumo, em 1918 Estônia, Letônia e Lituânia declararam suas independências, após sucessivas invasões ao longo dos últimos séculos, mas a liberdade durou pouco, pois logo eles foram anexados pela União Soviética e nos anos seguintes ainda sofreram a ocupação nazista. Um evento específico, sobre o qual fiquei sabendo quando visitei o Museu da Ocupação da Letônia, em Riga, me deixou muito impressionada. Em 23 de agosto de 1989, estonianos, letões e lituanos fizeram um lindo protesto: dois milhões de pessoas se deram as mãos clamando por independência e formaram uma gigante Corrente Humana de mais de 600 km ligando as três capitais: Tallinn, Riga e Vilnius. Eu conto mais sobre tudo isso no post Países Bálticos – Um Pouco de História, que pode ser interessante para quem gosta do assunto. O conhecimento fruto das pesquisas que fiz naquela época me ajudou a entender melhor o romance Soviet Milk, da escritora Nora Ikstena, minha escolha para representar a Letônia no Projeto 198 Livros.

Soviet Milk é narrado por duas personagens, mãe e filha, e é na relação entre elas que a história é centrada. A primeira nasceu em Riga em1944, enquanto bombas atingiam a cidade e nem a maternidade era poupada.  Ela deu a luz à segunda aos 25 anos e a filha fica sabendo depois que, apesar de jovem e saudável, a mãe não tinha uma saúde mental muito boa e por isso a avó foi quem verdadeiramente a criou. O que a intriga, mas ela não tem coragem de perguntar, é saber que a mãe não a amamentou. Logo após o parto, a mãe desapareceu por cinco dias e quando retornou seu leite tinha secado.

Soviet Milk - Nora IkstenaAs duas nasceram em contextos muito diferentes. Enquanto a filha foi educada no regime soviético, aprendendo não só a obedecê-lo, mas também a amá-lo,  a mãe cresceu no pós-guerra, quando a memória coletiva era outra. Sem contar que a mãe tem uma personalidade mais insubmissa, o que é um grande problema quando se vive sob um regime autoritário. O quanto de seus problemas mentais não podem ser fruto do sistema opressor em que vive?

“My father was one of the silent legion who could never adjust to Soviet reality. He did not live to see the deaths of Brezhnev and Andropov, nor the advent of Gorbachev or the Baltic Way to freedom. […] He was lying among words advocating the diversion of rivers, the conversion of churches into storehouses for mineral fertilizers, and the destruction of the literature, art and sculpture of our Latvian heritage. Thus he lay: one of the many who had surrendered quietly, dying in an obscure corner because he could not adjust and swallow humiliation, shame, dishonour and disillusionment.”

A mãe é médica e justamente por não conseguir viver a vida de dualidade a que muitos letões submetem-se, fiel ao regime da porta para fora e crítico a ele dentro de casa, tem seu futuro profissional totalmente afetado pelo governo. A filha é estudante e surpreende-se ao descobrir que seu país não foi sempre como ela o conheceu. Ela acha difícil acreditar quando a mãe diz que a Letônia já foi um país independente.

Aos poucos vemos o movimento pela libertação crescer e, como o romance cobre o período de 1969 a 1989, chegamos ao evento da Corrente Humana que tanto me impressionou:

“She didn’t leave even when Jesse and I, crying with happiness and helplessness, told her that she had to join hands with people throughout our three Baltic countries who wished to be free. We would form a living human chain in which every person had their place. Every one of us would become part of that causeway of human beings, extending our hands to each other, and no one would be able to destroy us again.”

A relação entre mãe e filha é parte importante da história, mas ainda mais interessante é perceber como os eventos históricos e políticos atingem de forma diferente os personagens, ou melhor, como ninguém permanece indiferente a eles.

Soviet Milk faz parte de uma série de romances históricos intitulada Nós. Letônia, Século XX. da qual Nora Ikstena e outros doze escritores letões fizeram parte. Os livros são independentes e cada um abrange um  período do século passado.

Soviet Milk foi publicado originalmente em letão, em 2015, e em inglês em 2018, pela Peirene Press. A tradução é de Margita Gailitis.

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

2 Comments

  1. Oi Camila! Feliz em ler um post seu! Gostei muito da resenha, já colocando na minha lista de livros para ler. Espero que esteja bem! Até mais

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