198 Livros: Mauritânia – The Desert and the Drum

198 Livros: MauritâniaAssim que eu vi a notícia de que tinha sido publicado o primeiro romance mauritano em inglês, corri para comprá-lo. O livro em questão era The Desert and the Drum, do escritor Mbarek Ould Beyrouk, traduzido do francês por Rachael McGill. Acho que não preciso nem dizer que infelizmente ainda não temos nada da Mauritânia publicado no Brasil, mas vi o mercado editorial se movimentar muito desde que comecei o Projeto 198 Livros, em 2013, então espero que minha informação logo fique desatualizada.

The Desert and the Drum é narrado por Rayhana, uma jovem beduína que abandona sua tribo carregando o rezzam, o tambor cerimonial sagrado para seu povo. Enquanto ela caminha madrugada adentro pelo deserto, exausta e faminta, ficamos sabendo que seu crime é imperdoável, mas ela não tem remorsos. Ela gosta de pensar que seu ato causará sofrimento e raiva, uma pequena amostra da dor que ela sentiu quando roubaram seu filho.

O livro alterna passado e presente. Assim que Rayhana chega à cidade (a histórica Atar, cidade natal do autor, Mbarek Ould Beyrouk), voltamos no tempo para conhecer sua vida na tribo. Ficamos logo sabendo do momento em que “monstros de ferro e aço” apareceram de repente, fazendo o chão tremer sob os pés dos beduínos. Tratava-se de uma empresa europeia que escanearia a região em busca de metais, ouro ou petróleo. A maioria dos empregados não eram mauritanos e os chefes eram todos brancos. A partir daí a tribo não foi mais a mesma. A chegada dos forasteiros abalou seu silêncio, sua rotina e sua tranquilidade.

The Desert and the Drum - Mbarek Ould BeyroukComo era de se esperar, Rayhana sofre com o preconceito e com o conflito cultural em Atar. Ao mesmo tempo em que tem muitas críticas ao modo de vida nômade e suas tradições, ela não idealiza a vida na cidade. E nós também somos levados a analisar nossos próprios preconceitos descobrindo que os beduínos da história não são tão nômades ou afastados da “civilização” como imaginamos. Pensando bem, os homens parecem transitar mais facilmente entre os dois mundos, o que revela uma sociedade bastante patriarcal, independente do local de moradia.

“People seemed to have forgotten what they’d been only yesterday, what their fathers and their fathers’ fathers had been. They were content to no longer be nomadic, to no longer feel the sun on their heads. They were happy to eat new dishes made not with their own wheat or barley, or with the meat or milk of their own animals. They were proud of all that; they thought it meant they could look down on those of us who had stayed as we were, who hadn’t succumbed to the temptations of the new.”

Eu estranhei a existência de pessoas escravizadas na história, o que a princípio me fez questionar a contemporaneidade da narrativa, mas em uma rápida pesquisa descobri que a Mauritânia foi o último país do mundo a abolir a escravidão, em 1981. Na prática, ativistas de direitos humanos estimavam em 2018 que 20% da população ainda vivia escravizada, como relatado nesta reportagem do The Guardian: The unspeakable truth about slavery in Mauritania.

Para o meu objetivo com o Projeto 198 Livros, que é conhecer um pouco da cultura e/ou da história de cada país, The Desert and the Drum foi perfeito: bom e informativo. Através dele aprendi um pouco sobre a Mauritânia e sobre a vida dos beduínos, que ainda é uma realidade no país, apesar de cada dia mais pessoas serem obrigadas a migrar para as cidades, algo que a crise climática com certeza agravará.

The Desert and the Drum foi publicado originalmente em francês, em 2015, e em inglês em 2018, pela editora Dedalus Books. A tradução é de Rachael McGill.

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

2 Comments

  1. Cristiane Xerez

    Esse seu projeto é muito maravilhoso, Camila. Aprendizados constantes. Fiquei curiosa para conhecer mais sobre a Mauritânia. Muito obrigada mais uma vez por compartilhar conosco sua experiência. 😊

    • Camila Navarro

      É maravilhoso mesmo! Não consigo nem mensurar o quanto aprendo com ele! Obrigada pela companhia fiel!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.