198 Livros: El Salvador – Roza, tumba, quema

198 Livros - El SalvadorA primeira vez que ouvi falar de Roza, tumba, quema, da escritora salvadorenha Claudia Hernández, foi quando o livro foi lançado em inglês, com o título Slash and Burn. As críticas positivas me animaram e decidi que  ele seria minha escolha para representar El Salvador no Projeto 198 Livros.  Mas, como eu consigo ler em espanhol, fui atrás da edição original e felizmente ela estava disponível em versão digital.

Roza, tumba, quema é mais um relato de guerra que aparece por aqui, mas talvez seja de uma guerra que você não conheça: a guerra civil de El Salvador, que durou 12 anos, de 1980 a 1992. Confesso que eu a desconhecia. No site Memória Globo encontrei um resumo que pode ajudar quem também ignorava essa parte da História:

“Em 1979, El Salvador sofreu um golpe de Estado que depôs o General Carlos Humberto Romero e instituiu uma Junta Civil-Militar no poder. A crise política e social aumentou com a repressão militar e estourou com o assassinato do arcebispo Oscar Romero, durante uma missa, em março de 1980. No funeral do religioso indicado ao Prêmio Nobel da Paz, 42 pessoas foram assassinadas, o que marcou o início da guerra civil. O conflito armado envolveu o governo militar, grupos paramilitares de extrema direita e a guerrilha de esquerda, representada pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN). O financiamento da guerra por americanos e soviéticos, que apoiavam lados opostos, girou em torno de 7 bilhões de dólares, o que contribuiu para estender ainda mais a guerra.

O acordo de paz foi firmado em 1992, após 21 meses de negociações entre o então presidente Alfredo Cristiani e dirigentes da FMLN, mediadas pela Organização das Nações Unidas. Mais de 60 mil pessoas morreram no conflito. O fim da guerra civil em El Salvador representou o fim do último resquício da Guerra Fria na América Central.”

Roza, tumba, quema - Claudia HernandezO livro traz a visão dos guerrilheiros de esquerda, especialmente a de uma mulher que se juntou à luta quando tinha apenas 14 anos. Décadas depois ela batalha para criar as quatro filhas que vivem com ela e para recuperar a primogênita, roubada durante a guerra e adotada na França através de um cruel esquema de tráfico de bebês.

A leitura de Roza, tumba, quema é um pouco desafiadora porque não há nomes principais no livro. Nenhum personagem tem nome, é sempre: a mãe, a filha mais nova, a filha mais velha que vive com ela, o pai da filha mais nova, a amiga que combateu com ela e por aí vai. Os países e cidades também não são nomeados, exceto Paris. A narração, em terceira pessoa, vai e volta no tempo e eu precisei ler muitos trechos diversas vezes para entender de quem estavam falando. Confesso que em certo diálogo eu não consegui determinar a autoria de cada frase.

Ainda assim, foi uma leitura maravilhosa que ficou reverberando em mim durante muito tempo. Claudia Hernández narrou muito bem as peculiaridades de ser uma mulher na guerra, como a necessidade de absorventes ou a vontade de usar maquiagem e todas as dificuldades envolvendo a maternidade. No pós-guerra sua situação também não é fácil. Com a morte do marido ela se vê sozinha cuidando das filhas e precisa conseguir manter a casa em pé sem um homem para protegê-las. No mundo em que elas vivem, homens só respeitam outros homens. A história da mulher sem nome que protagoniza Roza, tumba, quema pode representar a história de diversas mulheres num país empobrecido e machista.

Foi interessante conhecer também os ideais que os levaram a lutar. O assunto não é explorado a fundo, mas fica claro que eles queriam construir um novo mundo baseado em respeito e senso de comunidade, mas se decepcionam ao descobrir que a luta parece ter sido em vão. O processo de reintegração dos guerrilheiros à sociedade depois de uma década vivendo nas montanhas foi outra parte que gostei muito de conhecer.

Ao chegar ao final do livro, fiquei com várias perguntas sem resposta. Há mesmo fim em uma guerra? As marcas que ela deixa algum dia cicatrizam? Conhecendo a história dessa mulher, tendo a responder que não.

Roza, tumba, quema foi publicado originalmente em espanhol, em 2017, pela editora colombiana Laguna Libros.

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.