Montevidéu: ainda não foi dessa vez

MontevidéuA decisão de voltar a um destino costuma ter um significado especial. A gente não costuma voltar a lugares que nos deixaram impressões mornas. Geralmente se volta às cidades preferidas. Eu, por exemplo, não me canso de voltar a Tiradentes, minha cidade turística do coração. Mas às vezes queremos também rever algum lugar que não correspondeu às nossas expectativas. Aquela sensação de que poderia ter sido melhor ou de que você é o único que foi e não gostou podem ser bons motivos para voltar. Nossa volta ao Uruguai foi um misto de todos esses sentimentos.

Nossa primeira viagem até lá, em fevereiro de 2007, nos deixou boas lembranças. Viajávamos de carro, de Uberlândia a Buenos Aires, pela costa uruguaia, e o roteiro ia sendo definido pra valer ao longo do caminho. Voltamos encantados com a educação e gentileza dos uruguaios, pela cultura e pela história do país e, principalmente, pela bela Colonia del Sacramento. Nos apaixonamos pelo Uruguai, mas não nos entendemos com sua capital. Chegamos à cidade sob chuva forte, num trânsito de fim de tarde e sem hotel reservado. Já dá para prever nosso humor, né? O mau tempo nos impediu de passear e acabamos perdendo a paciência e indo embora antes de o sol aparecer. A verdade é que nossa primeira vez em Montevidéu foi decepcionante. E essa experiência me incomodou durante anos. Eu tinha que dar uma nova chance a Montevidéu! Então uma promoção de milhas coincidiu com nossas férias ainda indefinidas em setembro e lá fomos nós rever o país que tanto nos encantou há alguns anos.

Pode ser até difícil acreditar, mas a chuva nos encontrou em Montevidéu novamente! Só que mais uma vez não foi uma chuvinha qualquer. A situação estava feia! Não havia trégua e a força do vento era preocupante. Chegamos no meio da tarde e não tivemos outra opção a não ser nos refugiarmos no hotel. Só nos atrevemos a dar uma volta no quarteirão para comprar comida. Ainda bem que foi bem fácil encontrar uma confeitaria nas redondezas.

Comidinhas uruguaias

Depois de um dia de descanso forçado, eu não aceitaria desperdiçar mais um dia de férias trancada no hotel. Pegamos uma táxi e fomos tomar café da manhã na Ciudad Vieja, no tradicional e charmoso Café Brasilero. As ruas estavam desertas e nós éramos os únicos clientes do local. Do lado de fora, o vento quase arrancava as placas do estabelecimento. Tomamos nosso desayuno sem pressa, com medo do que nos esperava do lado de fora.

Café Brasilero

Café Brasilero

Café Brasilero

Quando já não dava mais para enrolar, tentamos passear a despeito do mau tempo. Guarda-chuvas eram supérfluos. Bastava andar alguns passos para ver alguns exemplares quebrados abandonados pelas calçadas. Mas seriam apenas algumas quadras até o Teatro Solís, que estava em reforma quando estivemos na cidade pela primeira vez e por isso estava na minha lista de prioridades. Só que nossa caminhada foi uma péssima idéia. A água nem era tanta, nos molhamos pouco, mas o vento nos empurrava com força. Nas áreas mais abertas a situação era perigosa. As janelas dos prédios antigos balançavam a ponto de serem arrancadas e uma caçamba de lixo havia sido arrastada para o meio da rua. Era difícil até mesmo atravessar as ruas. Ainda por cima, nossa aventura foi em vão. Quando, enfim, chegamos ao teatro, ele estava fechado e não sabiam se ele seria aberto naquele dia, tudo  por causa da tempestade.

Não tivemos outra saída a não ser pegar um táxi de volta para o hotel e ficar vendo o vento balançar as árvores em frente à nossa janela…

Da janela do quarto em Montevidéu

Durante o resto do dia, o único assunto nos jornais eram as consequências da tormenta. Centenas de árvores caídas, várias pessoas desalojadas e até os shoppings, refúgio natural nessas condições, estavam fechados. A recomendação era só sair de casa em extrema necessidade. Bom, nós fomos obrigados a sair para comprar comida. Os restaurantes estavam fechados, então tivemos que recorrer ao supermercado. Pouquíssimas pessoas se aventuravam pelas ruas imundas. Eu me sentia quase que em uma cobertura jornalística. Depois de presenciar chuva no deserto, lá estávamos nós, presenciando o caos causado pelo vento em Montevidéu.

Montevidéu após as chuvas - Árvore caída

Depois da tormenta

Comprinhas no supermercado

Continuamos comendo acompanhando os informes nos jornais e no fim da tarde os ventos já não representavam tanto perigo, então saímos para verificar a situação nas ruas. Tudo deserto! Na 18 de Julio, a principal avenida comercial no centro da cidade, todas as lojas estavam fechadas!  Nunca imaginei ver Montevidéu naquela situação. Só encontramos alguns outros turistas, provavelmente inconformados por ficarem trancafiados no hotel, como nós.

Av. 18 de Julio - Montevidéu

Av. 18 de Julio - Montevidéu

Av. 18 de Julio - Montevidéu

Av. 18 de Julio - Montevidéu

Me senti em um cenário de filme de fim de mundo. Aquele vazio me trazia uma grande sensação de insegurança, mas a curiosidade falou mais alto e nós quisemos conferir a situação próximo ao Río de la Plata. Assustador! Reparem que a única pessoa que aparece nas fotos está fotografando! Só turistas mesmo para vagar pelas ruas naquelas condições…

Rua deserta no centro de Montevidéu

Río de la Plata

Montevidéu - O sol após a tormentaNo dia seguinte seguimos viagem e imaginem como estava o tempo? É claro que o sol brilhava e não havia nuvens no céu! A foto ao lado foi tirada de dentro do ônibus que nos levava para Colonia del Sacramento. É de matar de raiva ou não é? Ainda voltaríamos a Montevidéu durante a viagem, mas eu havia escolhido os hotéis de acordo com as regiões que queria conhecer. Nos hospedamos na região central nas duas primeiras noites para podermos passear pela Ciudad Vieja e eu fiquei bem chateada por estar saindo de lá sem conhecer a região como se deve novamente. Ainda bem que nós havíamos conhecido um pouco do centro histórico na primeira viagem, mesmo que superficialmente, mas a lembrança já nos ajudou a sair de lá com o coração menos apertado.

Dias depois voltamos a Montevidéu e nos hospedamos em Pocitos. Às margens do rio ainda víamos os rastros da tempestade passada, mas o tempo estava infinitamente melhor. O sol brilhava o dia todo, mas fazia frio! Eu já sabia que em setembro ainda pegaria um friozinho, mas 10 °C era menos do que eu imaginava. A paisagem na rambla era linda, mas era difícil suportar o vento gelado no rosto.

Árvore caída em Pocitos

Mas era sábado e as pessoas estavam nas ruas aproveitando a volta do bom tempo. Nós nos viramos na medida do possível com nossas poucas roupas, já que nossa bagagem era mínima, e saímos para passear pela rambla. Eu havia anotado uma lista de restaurantes legais para conhecer em Pocitos, mas a verdade é que ficamos com preguiça. Paramos na primeira filial do La Pasiva (uma rede de lanchonetes uruguaia)  que encontramos, para constatar que o serviço piorou muito desde a primeira vez que comemos lá. Pode ser também um problema da loja de Pocitos, mas no geral achamos a comida cara e ruim. Para não dizer que não comemos nada de bom, tomamos sorvete no Freddo, a famosa sorveteria argentina que dá suas caras no Uruguai e até no Brasil. A minha escolha? Helado de dulce de leche, por supuesto!

Pocitos

Pocitos

PocitosPocitos

Pocitos

Mas o mais legal da nossa curta passagem por Pocitos, que se resumiu a apenas uma tarde e uma manhã, foi ficar observando o vai e vem das pessoas que passavam o tempo por lá se exercitando, namorando, passeando com o cachorro ou apenas batendo papo, sempre com a garrafinha térmica e a cuia de mate ao lado.

Pocitos

PocitosPocitos

Pocitos

Confesso que eu não planejei quase nada para essa viagem. Voltar a um lugar poder nos deixar um pouco acomodados. Ainda assim eu pensava que iria ver e fazer muito mais coisas em Montevidéu. No fim das contas, passamos mais tempo nos hotéis do que nas ruas, mas foi uma experiência bem diferente da primeira. Melhor, mas ainda incompleta. Ainda não foi dessa vez que Montevidéu e eu nos entendemos de vez.

20 Comments

  1. Estive por um dia em Montevideo. A sensação que me deu ,num primeiro momento, é que a cidade parou no tempo. Parece aqueles filmes épicos cheios de castelos , monumentos suntuosos e prédios onde fervilharam ideias, discussões e rumos promissores da economia e política dos uruguaios.
    Os prédios antigos combinam com folhas secas das dezenas de plátanos plantados nas beiras das calçadas de ruas movimentadas e trânsito um pouco caótico. Este cenário me deu uma nostalgia , pois sinalizou tempos pujantes e áureos por lá. Comida cara, pessoas educadas e solícitas, mas a cidade está visivelmente afetada também por problemas sociais. Nos semáfaros, meninos pediam dinheiro e ofereciam maconha na saída dos restaurantes no mercado del puerto. O mar estava revolto neste dia, e o vento era forte. Mas a cidade estava lá, forte e impávida. Nada parece apagar os momentos de guerra, luta e surgimento de Montevideo, crida por um soldado espanhol. Quero voltar lá, sei que há ainda muita riqueza a descobrir em sua cultura, sua vida.

    • Camila Navarro

      Eu tive azar foi sempre com o tempo, Neiva, mas voltaria para ver se tenho mais sorte. Adorei seu comentário!

  2. Andréia Duarte

    Passei por Montevideo em julho de 2010. Mesmo com o vento gelado e os dias mais curtos, gostei da cidade.
    Uma amiga, que me acompanhava, saiu com a sensação de desalento. Não é totalmente mentira: Montevideo dá a sensação, muitas vezes, de ter parado no tempo, com seus prédios antigos, seus restaurantes e bares com móveis e fachadas um pouco antiquadas. Podemos andar e conhecer museus, livrarias e cafés. O uruguaio é simpático e amável. A comida do Mercado central em Ciudad Vieja, é boa e com preços muito bons.
    Penso que voce pode tentar mais uma vez e voltar a Montevideo sim. Em outra época do ano que chova menos. Meu coração ficou um pouco naquela cidade e naquele país. Tente e me conte depois.
    Abraços,

    • Camila Navarro

      Ainda assim eu gosto de lá, especialmente do centro histórico, só não me acerto com o clima. Dei azar de pegar chuva tanto em setembro quanto em fevereiro, mas amo o Uruguai!

  3. Agosto e setembro tem sempre o risco da famosa Tormenta de Santa Rosa, no Uruguai e Argentina. Eu também a encarei ano passado, em Montevideo e foi um saco: chuva, vento e frio. Mas dizem que essa tormenta sempre fecha o inverno e dá início ao período de tempo firme da primavera.
    Certeza que minha próxima estadia no Uruguai será entre novembro e maio! rs

    Lindo blog! Gostei demais!

  4. Sempre triste quando a gente se dispõe a conhecer um lugar e não é legal. Mas acontece né? Fica uma sensação ruim, eu sempre procuro entender a razão quando acontece, mas tem lugar que simplesmente não bate e não tem muita explicação. Mas pelo menos sua viagem não foi perdida pois outras cidades do país agradaram!

    • Liliana, é chato mesmo. A gente fica sem saber se fez as escolhas erradas ou se foi só azar mesmo, mas a volta a Colonia, que nós adoramos, já valeu a viagem!

  5. Olá Camila! Que pena que não foi desta vez.
    Há uma coisa muito curiosa em seu blog. Os destinos pelos quais você passou são os preferidos por mim e minha esposa na lista de lugares que desejamos conhecer. Toda vez que vou buscar uma referência dos lugares que quero visitar, principalmente os mais desconhecidos dos turistas tradicionais, o Google ou o Viaje na Viagem acabam nos trazendo para seu blog, que, aliás, é uma delícia de ler.
    Por favor, continue viajando e sendo nossa referência.

    Um abraço, Ildebrando e Graziella

  6. Ei Camila,

    Que azar que você deu! :( São situações em que a gente não sabe o que fazer. As fotos ficaram parecendo de cobertura de fotojornalismo e não de turismo.

    Beijos,
    Lillian.

  7. Camila, tenho o prazer de lhe informar que vc vai conhecer Portugal no ano em que o site internacional de viagens, o Globe Spots, considerou o país o melhor do mundo para o ano de 2013. No meu blogue vc tem mais infos. Beijos

  8. Esqueci de perguntar como esta o planeamento da viagem a Portugal… Bj

    • Margarida, a chuva é um dos nossos maiores pesadelos nas viagens, né? Dá uma raiva!!! É ainda pior quando ela nos pega duas vezes, em diferentes épocas, como aconteceu com a gente em Montevidéu!

      Os planos para Portugal continuam de pé! Com a confusão da mudança de cidade nesse fim de ano, acabei não pesquisando mais nada, mas as férias em maio estão marcadas! Só espero que o euro e o dólar abaixem um pouquinho, porque, do jeito que eles estão, está até difícil pensar em viagens internacionais. :-(

      Beijos!

  9. Camila
    A maior chuvada que eu apanhei numa viagem foi em Salvador! Na época tambem nao fiquei com uma grande impressão da cidade… Nunca mais voltei para dar uma segunda chance … Hehe… Pelo que vejo a sua segunda chance a Montevideu tambem nao foi das melhores…
    Beijos

  10. Que pena, Camila! Eu tive um feriado tão gostoso em Montevidéu, mais legal do que imaginava até.
    Acompanhei tanto essa sua viagem e foi mesmo chato toda essa chuva e vento. Mas o bom é que é uma cidade fácil de ir pra quando quiser voltar.

    Agora entendi porque estava difícil voltar a blogar, escrever de uma cidade que não se encantou…

    Beijo

    • Carla, acho que o problema já na chegada nos desencantou, sabe? Eu até curti Pocitos, mas não é meu tipo de turismo. Gosto mais da Ciudad Vieja e fiquei triste por não ter podido aproveitá-la novamente… Mas, por outro lado, vou escrever sobre Colonia, né? Gostei de lá tanto quanto da primeira vez!

      Beijos!

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